19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

CAPÍTULO 63<br />

Cássio tirou toda a sua roupa, olhan<strong>do</strong>-se no grande espelho de um <strong>do</strong>s quartos de<br />

pacientes no terceiro andar <strong>do</strong> prédio 4. Tinha emagreci<strong>do</strong> naqueles últimos dias. O<br />

esforço, a inquietação e as poucas paradas para se alimentar decentemente tinham lhe<br />

toma<strong>do</strong> bem uns três quilos. O ombro esquer<strong>do</strong> estava roxo, por causa da queda da<br />

Kombi enquanto socorria Graziano. Outra herança <strong>do</strong> arroubo heroico tinha si<strong>do</strong> o corte<br />

no joelho e o sangramento. Removeu o curativo, ven<strong>do</strong> uma casquinha sobre o corte.<br />

Abriu o chuveiro e deixou a água fria cair sobre seu corpo. Tu<strong>do</strong> em sua vida tinha<br />

desmorona<strong>do</strong>, mas um banho não podia faltar. A água fria tinha esse poder, de revigorar<br />

suas forças e trazê-lo de volta ao mun<strong>do</strong> que conhecia, ao mun<strong>do</strong> de antes daquela noite.<br />

Ficou para<strong>do</strong> debaixo <strong>do</strong> chuveiro por pelo menos dez minutos, com a cabeça encostada<br />

no azulejo, de olhos fecha<strong>do</strong>s, só ouvin<strong>do</strong> a água bater nela e sentin<strong>do</strong>-a correr por seu<br />

corpo. Não queria pensar. Não queria adivinhar o que tinha aconteci<strong>do</strong> com o mun<strong>do</strong>.<br />

Só queria a água e o bem que ela lhe fazia. Inspirava e espirava devagar e, de verdade,<br />

tentava manter a cabeça livre de to<strong>do</strong>s os últimos acontecimentos, mas um deles, um<br />

deles martelava sua cabeça, e foi esse pensamento que o fez começar a chorar. Chorar<br />

como criança desamparada, até que os soluços subissem por seu peito e sua garganta,<br />

obrigan<strong>do</strong>-o a cair senta<strong>do</strong> no chão. Ficou ali mais dez minutos, exausto e com frio, e<br />

precisou lutar para se colocar de pé e fechar o registro. Agora aquela água era preciosa<br />

demais e não sabia até quan<strong>do</strong> o hospital contaria com as caixas d’água e com o<br />

fornecimento dela. Quan<strong>do</strong> deixou o box <strong>do</strong> banheiro e tornou a se olhar no espelho,<br />

ergueu-se, tirou os cabelos que desciam pela testa e sorriu para si mesmo. Estava vivo.<br />

Estavam vivos. Era motivo o suficiente para um sorriso. Não tinha toalha, nem copo,<br />

nem escova de dentes ou escova de cabelos. Vestiu novamente seu uniforme sua<strong>do</strong>,<br />

afivelou o cinto e enxaguou a boca com água pura. Tirou <strong>do</strong> bolso <strong>do</strong> calça um daqueles<br />

papéis toalhas que tinha pega<strong>do</strong> no banheiro <strong>do</strong> restaurante de beira de estrada e secou<br />

seu rosto. Apanhou a pistola em cima da cômoda e prendeu o sabre ao seu cinturão, <strong>do</strong><br />

outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> quadril, o cassetete. Pegou o capacete branco que repousava em cima da<br />

cama hospitalar, sobre o colchão de couro azul sem lençol, e colocou-o debaixo <strong>do</strong><br />

braço. Quan<strong>do</strong> pisou no corre<strong>do</strong>r deserto <strong>do</strong> terceiro andar, já era mais uma vez o<br />

sargento Cássio Porto, de 39 anos de idade, HIV positivo, divorcia<strong>do</strong>, com quase 19 anos<br />

de Polícia Militar, responsável por 1589 pessoas removidas <strong>do</strong> Hospital das Clínicas de<br />

São Paulo, e preocupa<strong>do</strong> com sua irmã e seus sobrinhos desapareci<strong>do</strong>s. O homem Cássio

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!