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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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— Coisa boa quan<strong>do</strong> ela chega, não é não?<br />

Vicente só sorriu de volta.<br />

— Os funcionários estão to<strong>do</strong>s no alvoroço aí. Tem coisa grande acontecen<strong>do</strong> na<br />

cidade.<br />

— É. Não gosto dessa conversa, não. É que nem diz os antigos, alegria de pobre dura<br />

pouco. Se acontecer alguma merda com a minha Lili, eu vou chacoalhar essa porra<br />

inteira.<br />

Alguém gritou no corre<strong>do</strong>r, mandan<strong>do</strong> o faxina seguir com o serviço.<br />

— Te cuida, grandão. Hoje é teu dia.<br />

Vicente jogou os pratos dentro <strong>do</strong> carrinho, seguran<strong>do</strong> um pão e as maçãs para<br />

mastigar mais tarde. Se a boia <strong>do</strong> almoço demorasse, não ia ficar de barriga roncan<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> Nelson sumiu de seu campo de visão, seus olhos foram para os <strong>do</strong>is colegas<br />

apaga<strong>do</strong>s. Que merda era aquela? Tinha sonha<strong>do</strong> com eles, com to<strong>do</strong>s os parceiros <strong>do</strong><br />

coletivo, na verdade, mas não naquela noite. Naquela noite a ansiedade não o tinha<br />

deixa<strong>do</strong> pregar os olhos. Era o dia de sua soltura, o que já tinha deixa<strong>do</strong> muita coisa<br />

giran<strong>do</strong> no seu sangue e seu cérebro acelera<strong>do</strong> o suficiente para espantar o sono, mas<br />

também havia decidi<strong>do</strong> ficar len<strong>do</strong> e de olhos abertos porque não queria dar mole. Era<br />

sua última noite no xadrez, e sabia que um alemão tinha i<strong>do</strong> dar com a língua nos<br />

dentes, matraquean<strong>do</strong> com o presidente. O presidente <strong>do</strong> xadrez era o Avenida, e nunca<br />

tinha ti<strong>do</strong> nenhuma desinteligência com a sua pessoa. Vicente era justiceiro, tinha i<strong>do</strong><br />

parar no presídio anos antes e fica<strong>do</strong> no seguro por um bom tempo, até a poeira baixar.<br />

Tinha o respeito <strong>do</strong>s outros detentos porque sabiam que ele tinha vinga<strong>do</strong> um pai morto<br />

e que tinha parti<strong>do</strong> para cima de cabra sangue ruim. Acontece que três meses antes caiu<br />

ali um mané, preso por crime pequeno, mas que era da sua bocada. O mané se chamava<br />

Juninho e era o irmão caçula de um casca-grossa, estupra<strong>do</strong>r, no qual Vicente tinha<br />

senta<strong>do</strong> o de<strong>do</strong> e feito subir para o andar de cima. Agora estavam num impasse. Para<br />

ajudar, o Juninho era afilha<strong>do</strong> de um preso velho e cagueta, apelida<strong>do</strong> de Mister M, que<br />

tinha cola<strong>do</strong> no ouvi<strong>do</strong> de Vicente, no pátio, alertan<strong>do</strong> que o moleque estava <strong>do</strong>i<strong>do</strong> para<br />

arrumar uma cama de gato para cima dele. Vicente não tinha me<strong>do</strong> de nenhum<br />

vagabun<strong>do</strong> ali dentro. Era grande, prepara<strong>do</strong> e destemi<strong>do</strong>. Não era trouxa de não se<br />

proteger. Acontece que sabia que era grande, mas não era <strong>do</strong>is. Bastava o bosta <strong>do</strong><br />

Juninho amealhar mais uns desafetos e agir na trairagem. De mais a mais, se fosse para<br />

morrer, morreria. Só não queria morrer <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, nem morrer justo na véspera de<br />

receber sua liberdade, sua desejada Lili. Algo lhe assoprava no ouvi<strong>do</strong> que sua vida<br />

mudaria de agora em diante. Sairia daquela prisão para fazer algo importante. Não era<br />

religioso nem nada, mas às vezes ouvia o culto <strong>do</strong>s crentes e sentia que, como eles diziam

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