19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ombros que lhe davam o apeli<strong>do</strong>. Ela tinha força. Conseguiu puxar o corpo soterra<strong>do</strong> da<br />

defunta para mais perto de si e, então, num instante, alcançou a ferida no pescoço da<br />

vítima. O espaço era exíguo, mas Raquel conseguiu introduzir a língua no corte e sorver<br />

o líqui<strong>do</strong> morto daquele corpo apaga<strong>do</strong>. Agora o sabor não lhe parecia tão agradável<br />

quanto da porção que lambera em seus de<strong>do</strong>s, mas a queimação em seu estômago estava<br />

diminuin<strong>do</strong>, bem como a sede que sentia, e suas forças estavam aumentan<strong>do</strong>. Ela podia<br />

ver cada canto daquele buraco. Ver as minhocas se reviran<strong>do</strong> no meio da terra escura,<br />

raízes exalan<strong>do</strong> cheiros da noite; podia ouvir o sangue da Sardenta deslizan<strong>do</strong> por suas<br />

veias mortas. Então Raquel descobriu suas presas de vampira. Seus dentes cravaram no<br />

pescoço <strong>do</strong> cadáver, sem deixar que o rasgo escapasse de sua boca. Continuou sugan<strong>do</strong><br />

aquela ferida até encher-se daquele sangue morto, coagula<strong>do</strong>. A noite vibrava acima de<br />

sua cabeça, chaman<strong>do</strong>-a para fora, para o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s vivos, prometen<strong>do</strong> mais sangue.<br />

Sangue vivo! Era disso que ela precisava! De sangue vivo! Sangue de seus inimigos, de<br />

seus carrascos. Raquel sentiu a barriga encher, e então uma imediata repulsa pelo cadáver<br />

fez com que projetasse suas costas para cima com toda a sua força. A terra moveu-se<br />

fazen<strong>do</strong> um barulho. O barulho de um monstro prenhe que rebentava sua bolsa<br />

amniótica, lançan<strong>do</strong> sua cria na terra escura e fria, permitin<strong>do</strong> que o novo ser das trevas<br />

pusesse as mãos para o alto e se arrastasse para fora daquele útero maldito, primitivo,<br />

deixan<strong>do</strong> sua irmã gêmea morta e sem sangue para trás. Viveu a mais forte. A vampira<br />

sabia que era noite, mas enxergava cada fresta sombria como se fosse dia. A favela à sua<br />

frente <strong>do</strong>rmia num silêncio forja<strong>do</strong>. Talvez a ação <strong>do</strong>s bandi<strong>do</strong>s tivesse decreta<strong>do</strong> um<br />

toque de recolher. Talvez cada ser vivente tivesse assisti<strong>do</strong> ao espetáculo de sua<br />

ressurreição e agora se escondia embaixo da cama, temen<strong>do</strong> ser o próximo a lhe servir de<br />

comida. Raquel sorriu enquanto caminhava em direção à favela. Não era má ideia<br />

saborear algo diferente daquilo que tinha experimenta<strong>do</strong> na cova fria. Raquel queria<br />

mais sangue, sangue vivo e quente. Queria encontrar aqueles que tinham mata<strong>do</strong> seus<br />

filhos e seu mari<strong>do</strong>, aqueles que tinham acaba<strong>do</strong> com sua vida e, talvez por misericórdia,<br />

empurra<strong>do</strong> seu corpo antigo para dentro daquela cova. Queria arrancar um pedaço de<br />

cada um com seus dentes novos. Raquel queria fazer com que sentissem tanta <strong>do</strong>r, a<br />

ponto de implorarem para serem mortos e enterra<strong>do</strong>s.<br />

A vampira vagou entre as vielas <strong>do</strong>s barracos e casas de alvenaria. Os cães ganiam<br />

atrás de portões e pequenas varandas com me<strong>do</strong> <strong>do</strong> novo. Deteve-se em frente a uma<br />

janela de um <strong>do</strong>s casebres. A cortina de teci<strong>do</strong> velho balançava levemente. Lá dentro um<br />

menino aparentan<strong>do</strong> cerca de quatorze, quinze anos também tinha os olhos escarlates e<br />

brilhantes. Raquel ergueu o queixo e se aproximou da janela. Ele tinha a boca suja de<br />

sangue, e seus olhos serenos diziam que era ele o <strong>do</strong>no daqueles cinco cadáveres sobre a

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!