19.04.2013 Views

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

CAPÍTULO 20<br />

Raquel caminhou entre os barracos e os casebres das estreitas vielas que serpenteavam<br />

pela imensa favela. Tinha para<strong>do</strong> no topo de uma daquelas casas subin<strong>do</strong> em uma caixad’água<br />

e deixa<strong>do</strong> seus olhos varrerem os telha<strong>do</strong>s. As nuvens tinham sumi<strong>do</strong> <strong>do</strong> céu, e<br />

agora a luz da lua encantava o lugar. Deixou seus ouvi<strong>do</strong>s de vampira trabalharem,<br />

ouvin<strong>do</strong> os sons daquela estranha noite. Ela ouvia vozes atrás das paredes. Ouvia choro<br />

de gente grande que estava assustada. Gritos fizeram festa em seus ouvi<strong>do</strong>s. Iguais a ela<br />

também buscavam alimento. Levou horas andan<strong>do</strong> lentamente, procuran<strong>do</strong> pistas de<br />

onde os vermes haviam passa<strong>do</strong>. Então, numa das vielas sentiu o cheiro mágico <strong>do</strong> sangue<br />

de sua vítima, e seguir aquela trilha marcada por pingos teimosos que tinham escapa<strong>do</strong><br />

durante o transporte <strong>do</strong>s corpos foi a coisa mais fácil. Aquele cheiro inconfundível bateu<br />

forte em suas narinas. O cheiro da vida e da morte. O cheiro <strong>do</strong> sangue da Sardenta<br />

emanava pelas frestas de uma parede vermelha de tijolos expostos, fugia para a rua<br />

através de uma janela fechada, tampada por uma placa de compensa<strong>do</strong>. Tinha si<strong>do</strong> ali o<br />

seu cativeiro. Se não tivesse a menor referência visual, o cheiro patente daquele sangue<br />

serviria de perfeito guia para reencontrar o barraco onde fora mantida presa por horas<br />

após o ataque. Aquilo tinha si<strong>do</strong> outro dia? A noção <strong>do</strong> tempo vagava em sua mente<br />

como um barco à deriva. Ela tinha passa<strong>do</strong> as horas de sol sen<strong>do</strong> gestada em sua cova,<br />

preparan<strong>do</strong>-se para a nova vida e, quan<strong>do</strong> a noite chegou, trouxe consigo energia para<br />

seus músculos, permitin<strong>do</strong> que se libertasse <strong>do</strong> novo cativeiro. Raquel recostou-se à porta<br />

e ficou escutan<strong>do</strong>. Nenhum barulho vinha lá de dentro, e não era difícil imaginar o<br />

porquê. Depois de a executarem e a enterrarem, deixaram o esconderijo. Raquel girou a<br />

maçaneta no eixo. A porta estava destrancada. Entrou na cozinha pequena e malcheirosa,<br />

seus olhos passaram por panelas cheias de arroz aze<strong>do</strong> sobre o fogão, restos de comida<br />

caí<strong>do</strong>s dentro da pia, duas caixas de pizza e, finalmente, pararam sobre um bilhete na<br />

mesa. Os garranchos desenhavam duas frases curtas:<br />

“Serviço feito. Fomos buscar pastel”.<br />

Raquel sorria porque sabia o que aquilo queria dizer. “Serviço feito” era bem óbvio,<br />

“fomos buscar pastel”, no entanto, só foi decifra<strong>do</strong> por conta de sua memória de outra<br />

vida. Da vida em que fora uma promotora. Aquilo significava que tinham i<strong>do</strong> para outro<br />

esconderijo, um tipo de base na qual eles puseram o codinome de “pastelaria”.<br />

Curiosamente Raquel lembrava-se bem de onde ficava essa toca de marginais. Quan<strong>do</strong><br />

leu no processo a localização, a ousadia tinha salta<strong>do</strong> aos olhos. A pastelaria era um

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!