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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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CAPÍTULO 21<br />

O dia to<strong>do</strong> tinha si<strong>do</strong> estranho. Logo de manhã notou que tinham demora<strong>do</strong> para<br />

trazer o café da manhã: uma ração de pão murcho com manteiga azeda e leite agua<strong>do</strong><br />

mistura<strong>do</strong> a algo pareci<strong>do</strong> com café. E uma maçã. Ao menos as maçãs eram sempre<br />

maçãs. Mesmo com a barriga roncan<strong>do</strong> ficou olhan<strong>do</strong> enviesa<strong>do</strong> para a fruta pequena e<br />

dura. Ontem terminara o dia com o rosto incha<strong>do</strong> junto ao pescoço por conta de uma<br />

<strong>do</strong>r de dente infernal que o deixara acabrunha<strong>do</strong>. O incômo<strong>do</strong> de um canal mal cura<strong>do</strong><br />

às vezes o visitava, transforman<strong>do</strong>-o num tipo de demônio encarna<strong>do</strong>, pronto para<br />

arrancar o dente baten<strong>do</strong> a cabeça contra as grades da cela. A <strong>do</strong>r ficou agarrada com ele<br />

durante a madrugada. Outra coisa o irritava. Perto da meia-noite a penitenciária fora<br />

infestada por um o<strong>do</strong>r de perfume vagabun<strong>do</strong>, que empesteou tu<strong>do</strong>. A mistura de um<br />

cheiro forte capaz de embrulhar o estômago com uma <strong>do</strong>r que dá vontade de se matar dá<br />

uma noção de como as coisas estavam terríveis para o seu la<strong>do</strong>. Canivete e Prata eram os<br />

seus companheiros de xadrez. Semana passada tiveram o alívio de outros <strong>do</strong>is manés que<br />

caíram, mortos por entregarem serviço para os blindas <strong>do</strong> pavilhão. Com mais espaço,<br />

estavam até mais bem-humora<strong>do</strong>s naquela semana. Os <strong>do</strong>is estavam deita<strong>do</strong>s nas camas e<br />

quietos havia um bom tempo. Então viu Canivete se mexer. Perguntou se o parceiro<br />

sentia o cheiro de perfume no ar, e ele respondeu que não. Ficou cala<strong>do</strong> bem uns cinco<br />

minutos antes de chamar Canivete de novo. O amigo ainda estava acorda<strong>do</strong>.<br />

Entabularam um papo rápi<strong>do</strong>, Canivete falan<strong>do</strong> que era para ele procurar <strong>do</strong>is parceiros<br />

<strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora que eram firmeza e não meti<strong>do</strong>s com crime, iriam dar um emprego para<br />

ele. O papo o distraiu por quase uma hora; então o amigo capotou, entran<strong>do</strong> num sono<br />

compri<strong>do</strong>. Ele tinha resolvi<strong>do</strong> não pregar os olhos naquela noite, e tinha bons motivos<br />

para isso.<br />

Quan<strong>do</strong> amanheceu notou o incomum lamben<strong>do</strong> o chão da prisão, chaman<strong>do</strong> a sua<br />

atenção para o fato de que o pavilhão estivera silencioso a manhã toda. Quieto demais.<br />

Quan<strong>do</strong> as coisas ficavam assim no pavilhão era porque coisa boa não vinha. Viu passar<br />

três detentos carrega<strong>do</strong>s em macas bem na frente da sua cela. Provavelmente foram<br />

degola<strong>do</strong>s, um ajuste de contas ou uma dívida de cigarros tinham <strong>do</strong>rmi<strong>do</strong> e alguém, na<br />

crocodilagem, facilitara a parada. Por isso não queria <strong>do</strong>rmir naquela noite. Sabia que, se<br />

fossem tentar alguma coisa com ele, seria naquela madrugada. Qualquer merda era mais<br />

preciosa que a vida de um prisioneiro dentro daquela masmorra. Os parceiros de xadrez<br />

continuaram <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> depois de o café ser servi<strong>do</strong>, e pensou que os putos iam perder a

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