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A Noite Maldita - Crônicas do Fim do Mundo - Multi Download

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CAPÍTULO 54<br />

Era noite. Finalmente. Raquel foi uma das primeiras a deixar a rampa <strong>do</strong><br />

estacionamento. Seus iguais saíram aos montes das entranhas da terra, sedentos por<br />

sangue. Era só nisso que pensavam. Em alimento. Em gente viva com sangue quente. Viu<br />

parte deles correr para dentro <strong>do</strong>s prédios ao re<strong>do</strong>r, invadin<strong>do</strong> as clínicas. Raquel olhou<br />

para o céu. Colunas de fumaça esparsas denunciavam que a cidade ainda sangrava. O céu<br />

derramava o brilho das estrelas de uma forma que nunca tinha visto antes. Não era ruim<br />

ser a criatura nova que tinha se transforma<strong>do</strong>. Nem um pouco. A cabeça parecia não<br />

funcionar mais como funcionava dias atrás, seus pensamentos fugiam da ordem, mas ela<br />

conseguia ainda ter um pouco mais de coesão cognitiva que os demais. As mudanças em<br />

seu fluxo de pensamentos tinham si<strong>do</strong> brutais. Pouca coisa importava. Importava caçar.<br />

Importava encontrar alimento, vivo, gente. Importava fazer com que os outros tivessem<br />

me<strong>do</strong>. O mun<strong>do</strong> anterior parecia se distanciar, pouco a pouco, como uma balsa à deriva,<br />

afastan<strong>do</strong>-se da costa, sem pressa, sem lastro, sem gana de voltar. Mas ela ainda<br />

lembrava. Lembrava <strong>do</strong>s filhos. Lembrava da luta contra os traficantes que tinham<br />

mata<strong>do</strong> seu mari<strong>do</strong> e, acima de tu<strong>do</strong>, lembrava <strong>do</strong> ódio. O ódio contra quem ficava em<br />

seu caminho, amarras que ainda prendiam sua mente à custa da consciência. Aquele<br />

policial traiçoeiro não a deixara entrar no Instituto da Criança para procurar por seus<br />

filhos. Raquel deixou os olhos vagarem pela rua. Encontrou o local onde viu aquele<br />

sujeito pela primeira vez na nova vida. Tinha si<strong>do</strong> na noite passada? Sim, só podia ter<br />

si<strong>do</strong> na noite passada. Caminhou sobre o asfalto ouvin<strong>do</strong> a cidade vazia. Deparou-se com<br />

dezenas de corpos enfileira<strong>do</strong>s na frente <strong>do</strong> IML, frutos da fome <strong>do</strong>s semelhantes na<br />

noite anterior. Apesar <strong>do</strong> silêncio, os humanos não podiam estar longe. Eles tinham<br />

entra<strong>do</strong> na garagem, procuran<strong>do</strong> por carros, procuran<strong>do</strong> por combustível. Raquel<br />

crispou os olhos. Então eles tinham um plano. A vampira sentiu um arrepio percorrer<br />

seu corpo, reconhecen<strong>do</strong> ali uma sensação tão humana. A surpresa. A cidade vazia! Seus<br />

olhos foram para a entrada <strong>do</strong> Instituto da Criança <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da rua. Correu até lá e<br />

empurrou a moldura da porta, que desta vez cedeu com facilidade. Escuridão. Seus olhos<br />

de vampira podiam enxergar tu<strong>do</strong> imóvel. Tinham parti<strong>do</strong>! Tinham fugi<strong>do</strong> da cidade!<br />

Tinham leva<strong>do</strong> seus filhos! Raquel caiu de joelhos e, pela primeira vez depois de sua<br />

mutação, ela chorou. Chorou vermelho. Chorou lágrimas de sangue.

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