OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O gosto estragado da época, que se faz excessivo em tudo, o é também na<br />
música, e como tal <strong>de</strong>u ao canto italiano um triunfo, uma palma universal, lançou<br />
para fora <strong>de</strong> nossas salas todos os cantos pátrios, como <strong>de</strong>sterrou das igrejas os hinos<br />
sagrados. Rossini, Bellini, Donizetti e Auber, têm entre nós um tríplice trono, no<br />
teatro, nas salas, e na igreja.<br />
– Pois então faça-nos o obséquio <strong>de</strong> dirigir-se ao piano, disse uma senhora.<br />
– Não toco esse instrumento, respon<strong>de</strong>u o mancebo. Costumava em outro<br />
tempo acompanhar-me <strong>de</strong> harpa.<br />
– Harpa! murmurou Mariquinhas ao ouvido <strong>de</strong> Celina; harpa; o moço é<br />
romântico.<br />
Apareceu um criado trazendo a harpa <strong>de</strong> Cândido, que tomou lugar perto das<br />
senhoras.<br />
Naturalmente acanhado, o mancebo afinou o instrumento com a cabeça baixa,<br />
medroso <strong>de</strong> encontrar todos aqueles olhos fitos nele.<br />
Salustiano colocara-se <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong> Cândido com <strong>de</strong>cidida intenção <strong>de</strong><br />
confundi-lo com seu sorrir <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso e sarcástico, e com sua luneta firmada<br />
insolentemente.<br />
Soou um harpejo mo<strong>de</strong>rado, sonoro e vibrante...<br />
Cândido ergueu a cabeça e cantou... o rosto do mancebo estava muito pálido,<br />
sua voz trêmula, comovida, mas era uma <strong>de</strong>ssas vozes <strong>de</strong> tenor, que, sonora e<br />
penetrante, chegava ao coração dos que ouviam.<br />
Ele cantava, pois:<br />
Iguais são no fado, que têm a cumprir,<br />
Iguais num mistério a bela e a flor;<br />
Se a flor tem perfume, que o prado embalsama,<br />
É délio perfume da bela o amor.<br />
E a flor mais formosa, se não tem aromas,<br />
No vale esquecida <strong>de</strong>sabre e fenece;<br />
E a virgem mais bela arrasta seus anos<br />
Tristonha, isolada, se amor não conhece.<br />
Iguais são no fado a bela e a flor,<br />
Iguais no mistério, que vem revelar;<br />
A flor <strong>de</strong>ve os campos <strong>de</strong> aromas encher,<br />
E a bela na vida amor cultivar.<br />
E à rosa, que se abre fragrante, viçosa,<br />
Em gruta profunda <strong>de</strong> vale escondido,<br />
Por mais perfumada que seja, e se ostente,<br />
Que serve o perfume na gruta perdido?...<br />
E à virgem formosa, que o anjo dos risos,<br />
Para encanto do mundo, ao mundo mandou;<br />
100