OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Salustiano atirou-se sobre o velho; os braços <strong>de</strong> ambos se entrelaçaram; e<br />
lutaram.<br />
Longa foi a luta, e por fim triunfou o mancebo.<br />
Com um joelho sobre o peito <strong>de</strong> João, Salustiano bradou-lhe:<br />
– A carta!<br />
– Nunca! respon<strong>de</strong>u o velho com voz sufocada.<br />
O moço, apesar <strong>de</strong> todos os esforços <strong>de</strong> João, lançou a mão no bolso <strong>de</strong>ste, e<br />
apo<strong>de</strong>rou-se da carta.<br />
Deixou então livre o seu adversário, e erguendo-se esten<strong>de</strong>u o braço, e<br />
mostrou-lhe com o <strong>de</strong>do trêmulo a porta:<br />
– Para sempre fora <strong>de</strong> minha casa! disse em <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, e a raiva no coração. O<br />
velho respon<strong>de</strong>u:<br />
– Sim; mas não para sempre; porque hei <strong>de</strong> voltar para vingar-me.<br />
E saiu.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XXXVI<br />
<strong>OS</strong> <strong>DOIS</strong> IRMÃ<strong>OS</strong><br />
RODRIGUES estava no seu posto, no alpendre.<br />
Achava-se sentado e meditando em um canto <strong>de</strong>le.<br />
A sua mão esquerda via-se meio cerrada a porta <strong>de</strong> seu quarto.<br />
De repente entrou no alpendre, apressado e arquejando <strong>de</strong> fadiga, um homem<br />
que trazia as vestes em <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, e pintada no semblante a mais viva agitação.<br />
O velho Rodrigues ergueu-se surpreendido, e dando dois passos para o recémchegado,<br />
exclamou:<br />
– João!<br />
A personagem que acabava <strong>de</strong> entrar atirou o chapéu a um canto, e sentou-se<br />
na ca<strong>de</strong>ira, da qual se tinha levantado Rodrigues.<br />
Esses dois homens eram os mesmos que em certa noite Jacó vira sentados e<br />
conversando à portaria do convento da Ajuda.<br />
Vistos agora à luz do dia e ao pé um do outro, admiraria a semelhança <strong>de</strong> seus<br />
semblantes. A única diferença que se podia notar, era ser João muito mais<br />
sangüíneo.<br />
João e Rodrigues eram irmãos gêmeos.<br />
– João! exclamou <strong>de</strong> novo o velho guarda-portão; que é isso?... o que tens?...<br />
– O que tenho?... respon<strong>de</strong>u o antigo agente da casa <strong>de</strong> Salustiano; tu me<br />
perguntas o que tenho? é a raiva <strong>de</strong>ntro do coração; é a vingança inspirando projetos<br />
infernais.<br />
– Mas como?... fala!...<br />
– Disse tudo.<br />
– Porém vingança contra quem?<br />
– Contra o falsário... o ladrão! murmurou surdamente João.<br />
203