OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ambos o estamos vendo. Eu sou uma mulher indigna, e o senhor é um homem baixo<br />
e vil. Suponhamos agora que nenhum <strong>de</strong> nós tem pejo, e falemos claramente um ao<br />
outro como dois sicários que tratam <strong>de</strong> um crime. Eis aqui como <strong>de</strong>ve passar esta<br />
hora entre nós dois: creio que torno tudo muito fácil. O que quer o senhor <strong>de</strong> mim?...<br />
Aquela mulher alta, bela, morena, <strong>de</strong> olhos cheios <strong>de</strong> fogo, orgulhosa e<br />
veemente, dava incrível força a suas palavras; com seu olhar ar<strong>de</strong>nte humilhava<br />
Salustiano, que ficou <strong>de</strong> novo espantado e em silêncio junto <strong>de</strong>la.<br />
A viúva repetiu a pergunta que já havia feito.<br />
– O que quer <strong>de</strong> mim, senhor?!<br />
– Confesso, senhora, disse Salustiano, que não vinha preparado para uma<br />
conversação da natureza que parece <strong>de</strong>sejar; todavia, pois que assim o quer,<br />
esforçar-me-ei por mostrar-me sem pejo, e falar-lhe como um sicário que com outro<br />
conversa sobre um crime.<br />
– Bem; é isso mesmo: o que quer, pois?...<br />
– Primeiramente quero saber quem é este mancebo que tão assiduamente<br />
freqüenta a sua casa, e a quem ouço dar o nome <strong>de</strong> Cândido.<br />
– Sei que se chama Cândido.<br />
– E mais nada?...<br />
– E mais nada.<br />
– Vamos mal, senhora; não vi, como <strong>de</strong>sejava, satisfeita minha primeira<br />
pergunta; <strong>de</strong>svaneço-me porém <strong>de</strong> esperar que uma exigência, que agora farei, será<br />
completamente e cedo cumprida.<br />
– E o que exige o senhor?... perguntou Mariana.<br />
– Que as portas <strong>de</strong>sta casa sejam fechadas a esse mancebo.<br />
– Quem abre e fecha as portas <strong>de</strong>sta casa a todas as pessoas não é a filha, é o<br />
pai.<br />
Salustiano levantou os ombros e disse:<br />
– Embora; eu o exijo.<br />
Mor<strong>de</strong>u Mariana os lábios <strong>de</strong> <strong>de</strong>speito, e <strong>de</strong>pois perguntou:<br />
– E por quê?... e para que havemos <strong>de</strong> fechar as portas <strong>de</strong>sta casa a esse infeliz<br />
moço?...<br />
– Já o disse uma vez, senhora, porque eu o exijo.<br />
– Oh!... e crê que há <strong>de</strong> ser humil<strong>de</strong>mente obe<strong>de</strong>cido, não é assim?...<br />
– Tenho a certeza disso.<br />
– Senhor! senhor!... exclamou a filha <strong>de</strong> Anacleto; não compreen<strong>de</strong> que isso é<br />
já muito abusar?... oh! um cavalheiro zombando, insultando uma mulher, porque<br />
sente que ela não tem por si quem a <strong>de</strong>fenda; que existe abatida com a consciência<br />
<strong>de</strong> um crime! Mas um cavalheiro <strong>de</strong>ve sentir que quando chega a exaltação, quando<br />
mais não po<strong>de</strong> sofrer, quando enfim <strong>de</strong>termina vingar-se, uma mulher vale o dobro<br />
<strong>de</strong> um homem; porque <strong>de</strong> ordinário o homem sabe somente matar, e a mulher sabe<br />
também morrer.<br />
Salustiano começava a rir.<br />
– O senhor se está aí rindo porque não sente que estas palavras pronunciadas<br />
84