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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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Dois amigos gozam-se com a troca <strong>de</strong> seus sentimentos e <strong>de</strong> seus cuidados,<br />

gozam-se partilhando mutuamente os pesares e os prazeres um do outro, ajudandose<br />

na prosperida<strong>de</strong> e nos trabalhos da vida; e esse gozo anima o fogo do sentimento<br />

que o dá, enraíza ainda mais a amiza<strong>de</strong> que o promoveu.<br />

Agora o que acontece com o amor, perguntai a todos os esposos. Interrogai<br />

principalmente a todas essas belas moças, a quem se jurou paixão eterna; interrogai<br />

a essas... um ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casadas.<br />

Elas vos dirão o que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito tempo já foi dito – “o <strong>de</strong>sejo é a medida do<br />

prazer”.<br />

Ou, o que pouco mais ou menos exprime a mesma coisa – “a morte do amor<br />

está no gozo”.<br />

Mas enquanto se não goza, flameja um <strong>de</strong>sejo imenso que acen<strong>de</strong> a<br />

imaginação, e os menores encantos são perfeições angélicas, e tudo é engran<strong>de</strong>cido<br />

e divinizado no objeto que se ama. Da mulher se faz um anjo.<br />

Não há mais nada <strong>de</strong> terrestre nela. Houve uma metamorfose operada pela<br />

imaginação.<br />

O <strong>de</strong>sejo suspira às vezes como um favônio que brinca com as flores <strong>de</strong><br />

manhã cedo; e logo <strong>de</strong>pois brame como a tempesta<strong>de</strong>, como o vento enraivado<br />

varrendo a floresta virgem.<br />

Se há um abismo, o homem lança-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le; se lá <strong>de</strong>ntro... se lá embaixo<br />

ele viu o rosto da mulher que ama...<br />

Se há um muro <strong>de</strong> bronze, o homem trabalha uma vida inteira para lançá-lo<br />

por terra.<br />

E nem os anos, e nem a ausência po<strong>de</strong>m fazer esquecer a mulher que se ama.<br />

Porque não houve gozo.<br />

E po<strong>de</strong> a mulher ser caprichosa e ligeira; po<strong>de</strong> zombar, po<strong>de</strong> parecer<br />

inconstante, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhar, po<strong>de</strong>m mesmo asseverar que ela é falsa; o homem<br />

estará preso a seus pés como um mísero escravo.<br />

Porque não houve gozo.<br />

É, com isto, e mercê <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>rações mil vezes já enunciadas <strong>de</strong> modo<br />

mil vezes melhor, que se explicava o amor extremoso e irresistível <strong>de</strong> que o jovem<br />

Henrique se achava possuído pela filha <strong>de</strong> Anacleto.<br />

Henrique era um exemplo que se podia dar dos dois sentimentos que acabam<br />

<strong>de</strong> ser discutidos.<br />

Laços <strong>de</strong> uma pura e virginal amiza<strong>de</strong> o ligaram a Carlos. Grilhões <strong>de</strong> um<br />

amor tirânico e invencível o prendiam aos pés <strong>de</strong> Mariana.<br />

A amiza<strong>de</strong> porém dos dois mancebos era mais velha que o amor <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les;<br />

e Carlos, com o zelo <strong>de</strong> um amigo fiel, tinha acompanhado todo o correr <strong>de</strong>sse amor,<br />

que durante muito tempo se lhe figurou em abismo.<br />

Com franqueza a lealda<strong>de</strong> combatera esse sentimento <strong>de</strong> Henrique durante<br />

seus primeiros tempos; apoiara sua viagem à Europa, e, apesar <strong>de</strong> ler o nome <strong>de</strong><br />

Mariana em todas as cartas <strong>de</strong> seu amigo, só começara a falar <strong>de</strong>la nas suas quando<br />

começara também a viuvez da filha <strong>de</strong> Anacleto.<br />

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