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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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arsênico!...<br />

Guardou <strong>de</strong> novo o embrulho no seio, e <strong>de</strong>pois prosseguiu:<br />

– Vejamos se ainda me lembro do que li.<br />

Ela pareceu recordar-se <strong>de</strong> alguma coisa, e foi repetindo compassadamente.<br />

– Sabor acerbo e metálico... constrição <strong>de</strong> garganta... soluços... síncopes...<br />

resfriamento do corpo... se<strong>de</strong>... vômitos... prostração... <strong>de</strong>lírio... convulsões...<br />

morte!...<br />

Passado um instante perguntou a si mesma:<br />

– E <strong>de</strong>pois?!<br />

E respon<strong>de</strong>u a si mesma com um tom horrivelmente lúgubre:<br />

– Depois, a eternida<strong>de</strong>.<br />

E estremeceu da cabeça até os pés.<br />

Ficou por algum tempo muda, e como que aterrada; mas enfim começou a dar<br />

um livre curso a seus pensamentos.<br />

– O suicídio!... o suicídio!... que quer dizer o suicídio? Quer dizer que um<br />

homem ou uma mulher tem horror <strong>de</strong> si mesmo, julga-se <strong>de</strong>mais na terra, acusa-se<br />

perante si próprio, sentencia-se, con<strong>de</strong>na-se e executa-se!... Oh! tenho eu o direito<br />

<strong>de</strong> matar-me?... Dizem que não; mas o mundo não tem também o direito <strong>de</strong> cuspirme<br />

no rosto.<br />

– Mas a religião proscreve o suicídio... e o que faço eu?... troco um martírio<br />

horrível por outro mais horrível ainda... troco os martírios da carne pelos tormentos<br />

da alma... troco o mundo pelo inferno!<br />

A mísera soltou uma risada nervosa.<br />

– Ainda bem! prosseguiu; ainda bem que o sei... o inferno me pertence.<br />

O rosto <strong>de</strong> Mariana tomou uma expressão medonha... ela murmurou no meio<br />

<strong>de</strong> uma dilatação <strong>de</strong> lábios, que não era riso, que era quase uma convulsão<br />

horrorosa:<br />

– Eu sou um <strong>de</strong>mônio... eu matei meu filho!...<br />

Respirou dolorosamente e continuou:<br />

– O suicídio! oh! sim! este é o meu segundo suicídio; pois então? não matei<br />

eu a carne <strong>de</strong> minha carne?... não <strong>de</strong>rramei o sangue do meu sangue?... sim; esta é a<br />

segunda vez que eu mato; ainda bem que é a <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira. E eu <strong>de</strong>vo realmente<br />

<strong>de</strong>saparecer do mundo; on<strong>de</strong> me havia escon<strong>de</strong>r amanhã? entre os homens?...<br />

quem?... eu?... a infanticida?... oh! os homens lançariam sobre mim os cães... eu não<br />

sou da sua espécie... eu não tenho alma, ou então tenho alma negra!... <strong>de</strong>veria ir<br />

ocultar-me nas brenhas?... oh! também não... lá os tigres amam seus filhos; eu sou<br />

mais feroz que os tigres.<br />

“O que me resta é bem claro; neste mundo resta-me um sepulcro... no outro<br />

espera-me o inferno.<br />

“Este mundo dar-me-á mais do que <strong>de</strong>via; porque o cadáver da mãe que mata<br />

seu filho há <strong>de</strong> tornar estéril a terra on<strong>de</strong> se enterrar. O outro mundo dar-me-á o<br />

mais que po<strong>de</strong>... o que eu mereço.<br />

“Ah! eu me amaldiçôo a mim mesma!<br />

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