OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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a aborrece, ela não lê mais, não sorri, nem olha, nem fala, como sorria, olhava e<br />
falava dantes. E, se alguém lhe lança em rosto essa metamorfose, ela respon<strong>de</strong>:<br />
“Consegui o que queria, o pássaro já está preso”. E a louca não pensa que o pássaro<br />
que preten<strong>de</strong>u foi o amor <strong>de</strong>sse homem, pássaro que vai fugir bem <strong>de</strong>pressa.<br />
– É assim, disse a “Bela Órfã”.<br />
– Entretanto, continuou Mariquinhas, acontece o que <strong>de</strong>via acontecer: o<br />
coração do marido espanta-se daquela repentina mudança; procura ver <strong>de</strong> novo a<br />
bela moça <strong>de</strong> lindos cabelos, <strong>de</strong> escolhidas vestes, <strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> fogo, <strong>de</strong> espirituosas<br />
palavras, <strong>de</strong> gracioso sorriso; e achando pelo contrário uma menina <strong>de</strong>scabelada,<br />
sem graça, sem espírito, sem arte mesmo, recua... esfria, e às vezes <strong>de</strong>sanima; e<br />
então grita a mulher contra a inconstância do homem. Falemos outra vez a verda<strong>de</strong>,<br />
D. Celina, o homem não tem culpa... a mulher que ele amava não é certamente essa,<br />
que então assim se lhe mostra.<br />
– Oh! tens razão; é assim mesmo, exclamou Celina.<br />
– E <strong>de</strong>pois, qual é a vida que vive daí por diante a esposa?... uma vida <strong>de</strong><br />
mentiras e <strong>de</strong> fingimento nas assembléias, e <strong>de</strong> frieza ou <strong>de</strong> indiferença em casa. Em<br />
casa toma a posição <strong>de</strong> criada grave <strong>de</strong> seu marido; por suas mãos a toma. Tem por<br />
prazer a costura, e por ofício <strong>de</strong>terminar o almoço, o jantar e a ceia. Quando o<br />
marido chega da rua ralha com ele... quando o marido sai ralha com os escravos;<br />
don<strong>de</strong> lhe veio esse mau humor?... do ciúme!... acredita que já não é amada!... quem<br />
teve culpa disso?... ela mesma, que se fez outra.<br />
– Continua, d. Mariquinhas.<br />
– Ora agora, prosseguiu a moça, eu acho tão fácil, tão belo, tão nobre seguirse<br />
uma vida absolutamente oposta a essa!... uma vida que faria ao mesmo tempo o<br />
encanto do marido e a felicida<strong>de</strong> da mulher.<br />
– Dize... dize.<br />
– Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casada, a moça não se enfeita com esmero para ir a uma<br />
assembléia?... quais são os pensamentos que a ocupam quando ela está <strong>de</strong>fronte do<br />
toucador?... Dois, principalmente: primeiro, não ser sobrepujada, não parecer menos<br />
bela que as outras senhoras; este sentimento nasceu conosco, e nos acompanhará em<br />
todas as épocas <strong>de</strong> nossa vida; o segundo, é o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> agradar, por que, sem<br />
ofen<strong>de</strong>r nem levemente sua pureza <strong>de</strong> esposa, uma senhora po<strong>de</strong> querer, e quer<br />
agradar. Pois não é, d. Celina, uma contradição in<strong>de</strong>sculpável, um erro que custa a<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, o esmerar-se uma senhora casada em agradar, em parecer bela aos outros,<br />
e esquecer-se, e não fazer um só esforço para mostrar-se bonita aos olhos <strong>de</strong> seu<br />
marido?...<br />
– Sem dúvida; sem dúvida.<br />
– A moça que acaba <strong>de</strong> casar-se, não tem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar muito em<br />
suas relações com o homem que recebe por marido. Seu melhor empenho, seu maior<br />
triunfo estaria em continuar a ser a namorada <strong>de</strong> seu esposo. Po<strong>de</strong> parecer que seja<br />
isso muito difícil, mas eu não o creio.<br />
– Então como? fala.<br />
– Por que não há <strong>de</strong> a moça empenhar para pren<strong>de</strong>r seu marido os mesmos<br />
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