OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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O amor <strong>de</strong> Celina começava com tormentos. Porque também é regra que no<br />
amor uma dúvida é um tormento, uma suspeita é veneno.<br />
Com ansieda<strong>de</strong> esperou a “Bela Órfã” pela primeira noite <strong>de</strong> serão... <strong>de</strong>via vêlo...<br />
Cândido, se a amava, não podia faltar... havia <strong>de</strong> vir por força...<br />
Gastou o dobro do tempo que costumava, em seu toucador. Tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
parecer ao homem que amava a mais bela <strong>de</strong> todas as mulheres.<br />
Chegou a hora do serão. Vieram pouco a pouco chegando todos aqueles que<br />
costumavam freqüentar o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />
Celina não podia arrancar os olhos da porta da entrada; por três vezes já, tinha<br />
ido à janela sob diferentes pretextos.<br />
Apresentou-se Henrique... algum tempo <strong>de</strong>pois apareceu Salustiano.<br />
Os sinos tocaram nove horas da noite. Cândido não havia chegado.<br />
Celina não pô<strong>de</strong> conter um forte movimento <strong>de</strong> impaciência e <strong>de</strong>sagrado.<br />
– Meu Deus! D. Celina, exclamou Felícia, o que é que hoje você tem?<br />
– Parece que esperava por alguém que não chegou, disse Mariquinhas; ela não<br />
tem tirado os olhos da porta da sala,<br />
– Oh! não! respon<strong>de</strong>u a “Bela Órfã”; é que hoje não estou boa... sinto um<br />
calor que parece febre; preciso respirar ar puro e livre. E dirigiu-se <strong>de</strong> novo à<br />
janela... ninguém vinha. Esperou cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos; mas sempre <strong>de</strong>bal<strong>de</strong>.<br />
A pobre moça sentiu então uma dor nova para ela; apertou-se-lhe o coração,<br />
como se uma mão <strong>de</strong> ferro a estivesse comprimindo com os <strong>de</strong>dos; e não po<strong>de</strong>ndo<br />
suportar o ruído que na sala reinava; parecendo-lhe as risadas que ouvia, os gracejos<br />
que se diziam, as músicas que se cantavam, e os olhares que lhe lançava Salustiano,<br />
um insulto feito à sua dor, aproveitou um momento <strong>de</strong> distração geral, e saindo da<br />
sala sem ser sentida, subiu para seu quarto, e atirando-se no leito, começou a chorar.<br />
No entanto, Henrique havia oferecido o braço a Mariana, e passeavam<br />
conversando.<br />
Chegaram-se ambos para uma janela, e vendo-se a sós Henrique falou à bela<br />
viúva:<br />
– Minha senhora, eu precisava falar-lhe a sós sobre um objeto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
importância para nós ambos, julgará oportuno este momento?...<br />
– Posso eu dar uma sentença sobre causa que não conheço? perguntou<br />
gracejando Mariana.<br />
– Não haverá gracejo nem puerilida<strong>de</strong> no que eu <strong>de</strong>vo dizer, tornou Henrique<br />
com tom sério.<br />
– Mas é que eu não sei sobre o que <strong>de</strong>vemos tratar.<br />
Oh!... senhora!... será possível que não adivinhe qual será o objeto <strong>de</strong> que lhe<br />
quero falar?... não lho diz o coração há seis anos?...<br />
– Para aqueles que se amam, disse Mariana abaixando a cabeça e a voz, todos<br />
os momentos e todos os lugares são oportunos e propícios.<br />
– Então eu falo; e <strong>de</strong>pois que eu falar, é que realmente ouvirei uma sentença.<br />
Mariana levantou os olhos e viu a expressão apaixonada e séria do semblante<br />
<strong>de</strong> Henrique.<br />
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