18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

em tom baixo, um canto melancólico.<br />

Ela escutou... o canto saía do sótão do “Purgatório-trigueiro”.<br />

A voz que cantava era a <strong>de</strong> Cândido.<br />

A noite mais bela, mais feliz <strong>de</strong>ntre todas as noites da vida do mancebo, era<br />

aquela que se estava passando.<br />

Ao terminar o serão <strong>de</strong>ixou o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” com sauda<strong>de</strong>s, mas sem<br />

aquela acerba amargura que o obumbrava sempre.<br />

O coração do mancebo estava repleto <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> esperança, e seu<br />

pensamento cheio <strong>de</strong> belas imagens.<br />

Estava Cândido em uma <strong>de</strong>ssas noites <strong>de</strong> magia em que a vida se <strong>de</strong>senha<br />

toda em tintas cor-<strong>de</strong>-rosa... noites <strong>de</strong> mentira, em que a imaginação nos pinta tão<br />

fácil tudo que ambicionamos!<br />

Um bom velho, cujos pés ele quereria beijar agra<strong>de</strong>cido, lhe marcara, durante<br />

cinco minutos, um lugar junto daquela que era em sua opinião a mais perfeita das<br />

criaturas. Aí ele bebera o ar que ela respirava, mais perfumado ainda que o aroma<br />

das melhores flores. Aí tivera ele sobre as suas duas mãozinhas mais brancas, mais<br />

livres que as penas <strong>de</strong> uma garça; ali ouvira ele frases, monossílabos tão melodiosos<br />

como harmonias moduladas por um anjo.<br />

E <strong>de</strong>pois, por <strong>de</strong>trás das cortinas <strong>de</strong> um leito virgem, que era como o brando<br />

cálice da flor, que nele se <strong>de</strong>itava, ouvira Cândido a revelação do sonho <strong>de</strong> uma<br />

donzela. Sonho que todo inteiro respirava amor; mas um amor tão puro, tão poético,<br />

tão celeste, qual só caberia no coração <strong>de</strong> um querubim...<br />

Oh! como realmente ficaria a cabeça daquele pobre mancebo, que tinha<br />

também imaginação ar<strong>de</strong>nte, escutando aquele romance enfeitiçado, on<strong>de</strong> o coração<br />

<strong>de</strong> uma virgem se transformava em botão <strong>de</strong> rosa, que não podia ser colhido nem<br />

pela riqueza, nem pelas factícias gran<strong>de</strong>zas sociais, mas e somente pelo mérito<br />

distinto e real?..<br />

Portanto, para aquela meiga pomba do Senhor Deus, para Celina, a pobreza<br />

não era um crime, não era – morféia. – A riqueza, embora mal adquirida, não era o<br />

tudo que governa o mundo. O belo, isto é, o mérito e virtu<strong>de</strong>, que são as gran<strong>de</strong>s<br />

belezas aos olhos <strong>de</strong> Deus, o belo é que podia ganhar o – pomo da ventura – colher<br />

o botão <strong>de</strong> rosa!<br />

Portanto, não lhe estava fechada a porta daquele paraíso. Não havia ali no<br />

alpendre do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” um <strong>de</strong>mônio com uma bolsa por coração, que, ao<br />

querer um pobre penetrar naquele santuário <strong>de</strong> amor, lhe bradasse com a voz sinistra<br />

dos <strong>de</strong>mônios da época: “aqui não entras!”<br />

Portanto se ele fosse nobre e ativo, se trabalhasse, se proce<strong>de</strong>sse como homem<br />

<strong>de</strong> honra, se com estudo profundo e incessante mostrasse que tinha capacida<strong>de</strong> e<br />

engenho, se com a observação das leis da religião <strong>de</strong> Cristo somente (porque as dos<br />

homens ou são essas mesmas leis enunciadas com mais difusão, e apropriadas a<br />

diversas especialida<strong>de</strong>s, ou são leis falsas e bárbaras), trilhasse sempre as vias da<br />

virtu<strong>de</strong>, podia, tinha o direito <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r o pomo da ventura, <strong>de</strong> colher o botão <strong>de</strong><br />

rosa.<br />

59

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!