OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Negro manto da noite nos cobre.<br />
Ela dorme... mas ele... não sei.<br />
É na terra das trevas o véu;<br />
Vagam sonhos... misteriosos do céu.<br />
Eis a virgem... num vale formoso,<br />
De tapete <strong>de</strong> relva coberto,<br />
Assentada em outeiro mimoso<br />
Vendo um lago, que mora ali perto:<br />
Cobre-a teto <strong>de</strong> mil trepa<strong>de</strong>iras,<br />
Há dois montes, que c’roam palmeiras.<br />
Vêm dos montes meninos amores,<br />
Em seus braços cestinhas trazendo;<br />
Tiram <strong>de</strong>las e espargem mil flores<br />
Sobre a virgem, que os olha tremendo;<br />
E os amores seus jogos seguindo<br />
Vão brincando, dançando, e se rindo.<br />
Soa um canto dormente, mavioso,<br />
Que entoado no céu parecia,<br />
Já das flores ao bafo oloroso,<br />
E perfumes o ar rescendia:<br />
E a donzela, que tanto sentiu,<br />
Entre eflúvios e cantos dormiu.<br />
E um menino com seta afiada<br />
Rasga o peito da virgem então,<br />
E com hábil mãozinha apressada<br />
Rouba o puro, feliz coração.<br />
E a ferida nem sangue jorrou,<br />
Nem doeu, antes logo sarou.<br />
Despertou a donzela assombrada<br />
Com os clamores do bando loução.<br />
E a chorar <strong>de</strong>satou <strong>de</strong>solada<br />
Vendo o roubo do seu coração.<br />
E o cruel, o fatal roubador<br />
Foi na terra plantá-lo, qual flor.<br />
A donzela chorava... chorava...<br />
E os meninos as mãos ajuntaram.<br />
E correndo pra on<strong>de</strong> ela estava,<br />
71