OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
– Teu amigo?... e tu apertas a mão <strong>de</strong> semelhante homem?<br />
– Aperto.<br />
– João!<br />
– Nada <strong>de</strong> repreensões. Escuta: observei que o tal Jacó ia <strong>de</strong> vez em quando<br />
ter com Salustiano; ficavam a sós por algum tempo, e <strong>de</strong>pois o escrivão retirava-se<br />
muito alegrezinho, e o outro ficava por algumas horas <strong>de</strong> mau humor.<br />
– E a razão?<br />
– Um dia consegui ficar em posição <strong>de</strong> ouvi-los, e apanhei-lhes o segredo. O<br />
escrivão é duas vezes infame.<br />
– Como?... explica-te.<br />
– Infame, porque recebeu dinheiro para queimar um processo, e por isso<br />
per<strong>de</strong>u o ofício, e infame outra vez, porque o processo não está queimado.<br />
– E então?...<br />
– Ele o guarda.<br />
– Oh! mas isso é o diabo.<br />
– Pelo contrário, eu julgo que é excelente. Já te disse que tenho estreita<br />
amiza<strong>de</strong> com Jacó.<br />
– E que preten<strong>de</strong>s fazer?<br />
– Ir morar com ele.<br />
– E esperas conseguir isso?<br />
– Com dinheiro tudo se consegue daquele homem. Vou alugar-lhe um quarto<br />
em sua própria casa.<br />
– E <strong>de</strong>pois?<br />
– Depois os papéis estão lá, e hão <strong>de</strong> ser meus, custe o que custar.<br />
– Falar-lhe-ás nisso?<br />
– Deus me <strong>de</strong>fenda. Salustiano <strong>de</strong>ve tê-los pago bem, para que ele mos<br />
quisesse ce<strong>de</strong>r!<br />
– Olha, João, se te vás meter nalguma...<br />
– Deixa o caso por minha conta; mas que é isto?...<br />
Ouviu-se uma voz terna e melancólica, que começava a cantar o romance do<br />
“Sonho da Virgem”.<br />
“Era um dia um mancebo, que ar<strong>de</strong>nte,<br />
“Pobre vida esquecido vivia;<br />
“E uma virgem...<br />
O velho Rodrigues sorriu.<br />
– De que te ris?... perguntou João.<br />
– É que este canto me está chamando. A “Bela Órfã” tem que me confiar.<br />
– Pois vai, a<strong>de</strong>us!<br />
– Não, espera; po<strong>de</strong> ser que convenha que saibas o que ela tem para me dizer.<br />
João ficou outra vez só no quarto <strong>de</strong> Rodrigues.<br />
Uma hora <strong>de</strong>pois voltou o velho guarda-portão.<br />
219