OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
– Enfim!<br />
E lançou-se para a carteira. Abriu-a, apertou com o <strong>de</strong>do polegar uma mola<br />
que havia do lado esquerdo, e no fundo da gaveta <strong>de</strong>sse lado abriu-se um escaninho.<br />
Com prontidão e <strong>de</strong>streza tirou o velho alguns papéis, que aí se achavam.<br />
Eram pela maior parte cartas.<br />
João as foi examinando, e passando por elas sem abrir, até que parou em uma<br />
que não tinha sobrescrito.<br />
– 12ª! exclamou o velho; enfim!<br />
Abriu a carta e leu:<br />
“Senhor, maldita seja a hora em que nos vimos. Esse amor fatal com que eu<br />
vos amava, e que fingistes votar-me para que eu me per<strong>de</strong>sse, se já <strong>de</strong>sapareceu<br />
para nós, a nós <strong>de</strong>ve ter <strong>de</strong>ixado o tormento dos remorsos. Vós me fizestes a mais<br />
<strong>de</strong>sgraçada, e eu me fiz a mais criminosa das mulheres. Vós me per<strong>de</strong>stes, e eu ia<br />
ser mãe, e não quisestes ser diante dos homens o pai <strong>de</strong> vosso filho. Pois bem,<br />
sabeis o que eu fiz? tremei... horrorizai-vos: eu matei meu filho; <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> meu<br />
ventre cavei-lhe a sepultura. Agora... preparemo-nos. Teremos <strong>de</strong> dar contas a<br />
Deus, vós da honra, da inocência <strong>de</strong> uma mulher, e eu da vida <strong>de</strong> um inocente.<br />
Senhor... somos dignos um do outro; nasceram para se encontrar no mundo vós e<br />
Mariana.”<br />
– Enfim, repetiu o velho guardando a carta no bolso.<br />
– Enfim!... bradou Salustiano lançando-se sobre João.<br />
O velho recuou dois passos.<br />
– Que veio fazer aqui? perguntou o moço.<br />
– Vim realizar o que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito premeditava, respon<strong>de</strong>u friamente o velho.<br />
– Que tirou daquela carteira?<br />
– O que não lhe pertencia.<br />
– Uma carta!<br />
– Sim.<br />
– Restitua-ma.<br />
– Não.<br />
– Oh! Sr. João!...<br />
– Não, já disse.<br />
– É porque não sabe que essa carta é tudo para mim.<br />
– É por essa mesma razão.<br />
– Por bem ou por mal, senhor, eu hei <strong>de</strong> reconquistar essa carta.<br />
– Veremos.<br />
– O senhor abusa do respeito que sempre lhe consagrei.<br />
– E o senhor <strong>de</strong>sonra o nome <strong>de</strong> seu pai.<br />
– A carta!<br />
– Nunca.<br />
202