18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

olhos, e, sentindo-os molhados <strong>de</strong> minhas lágrimas, levou-os aos lábios, sorveu as<br />

lágrimas <strong>de</strong> sua filha, dizendo:<br />

– É bem doce!... é bem doce!...<br />

Depois entrou a rir-se e a cantar. Que rir! que cantar aquele!... até então eu<br />

não sabia que a morte tinha também seus risos e seus cantos.<br />

Continuou a rir-se e a cantar; a brincar com os meus cabelos, e a beber minhas<br />

lágrimas.<br />

Houve um momento terrível! um tremor súbito e <strong>de</strong>sesperado agitou<br />

convulsivamente todo seu corpo...<br />

Cessou <strong>de</strong> rir-se e <strong>de</strong> cantar. Olhou-me... que olhar!... era um a<strong>de</strong>us que se<br />

dizia por mil modos nos seus olhos.<br />

Tinha talvez <strong>de</strong>saparecido o <strong>de</strong>lírio, mas ela já não podia falar.<br />

Ouvi alguém, a poucos passos, dizer baixinho – é chegada a hora: – oh!<br />

compreendi tudo... soltei um grito.<br />

Escutando esse grito, que me saiu do coração, minha mãe agarrou com suas<br />

duas mãos a minha cabeça, e com força indizível levantou-me, aproximou meu rosto<br />

ao rosto <strong>de</strong>la, uniu meus lábios aos seus, <strong>de</strong>u-me um longo e ar<strong>de</strong>nte beijo, e<br />

expirou.<br />

A vida... a alma lhe saiu pelos lábios. Oh! sim, porque ela morreu beijando<br />

sua filha.<br />

As almas <strong>de</strong> meus pais, antes <strong>de</strong> subir ao céu, tinham passado por mim: a<br />

alma <strong>de</strong> meu pai pelos meus olhos; a <strong>de</strong> minha mãe pelos meus lábios.<br />

Como eu fiquei então!... não se diz.<br />

Não se morre <strong>de</strong> dor.<br />

E estava órfã.<br />

Deixei <strong>de</strong> ser como uma flor que se <strong>de</strong>sabotoa.<br />

IV<br />

Eu era uma pobre órfã.<br />

Tinha começado a ser como a pomba que geme solitária.<br />

Chorei! chorei muito! quando não tive nos olhos mais lágrimas para chorar,<br />

chorei sauda<strong>de</strong>s no coração; choro-as ainda. Mas resisti, e resisto, graças à educação<br />

que me <strong>de</strong>ram meus pais.<br />

Eles me ensinaram a ter fé e esperança em Deus; ensinaram-me, na<br />

prosperida<strong>de</strong>, a ser cristã: sou cristã na <strong>de</strong>sgraça.<br />

Quem crê em Deus, chora, mas resiste.<br />

Eu chorei, e resisti.<br />

Tenho esperança <strong>de</strong> ver ainda meus pais aos pés do Senhor Deus... não sei<br />

quando será; mas espero.<br />

Esta esperança me anima. No entanto meu coração está sempre cheio <strong>de</strong><br />

sauda<strong>de</strong>s, que não hão <strong>de</strong> acabar nunca.<br />

Eu pois sou agora como uma pomba que geme solitária.<br />

166

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!