OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
diante, e trêmulas como se quisesse <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> algum objeto; e com os olhos<br />
pasmos e terríveis, parecia talvez estar vendo diante <strong>de</strong>la a imagem do filho que<br />
havia assassinado.<br />
Depois <strong>de</strong> algum tempo ela murmurou fracamente:<br />
– Infanticídio... infanticídio...<br />
Soltou um grito e <strong>de</strong>satou a chorar.<br />
Salustiano, insensível e silencioso, esperou muito tempo que Mariana<br />
sossegasse um pouco. Quando a viu menos sobressaltada, disse-lhe:<br />
– Então, senhora?...<br />
– Perdão, senhor; balbuciou a <strong>de</strong>sgraçada pondo-se <strong>de</strong> joelhos.<br />
Salustiano ergueu-a, fê-la sentar e continuou:<br />
– Nada do que ouviu será sabido. No dia em que eu me casar com sua<br />
sobrinha, queimaremos juntos a carta fatal.<br />
– Mas o que é que eu <strong>de</strong>vo fazer?... perguntou a mísera viúva.<br />
– Primeiramente fazer com que esse mancebo que mora no “Purgatóriotrigueiro”,<br />
<strong>de</strong>sapareça <strong>de</strong>stes lugares; conseguir <strong>de</strong>le uma carta para sua sobrinha,<br />
carta em que se apague toda a esperança <strong>de</strong> amor.<br />
– Oh! mas isso é impossível.<br />
– Nada é impossível, senhora.<br />
– Porém <strong>de</strong> que modo conseguir isso?...<br />
– Uma mulher que se ajoelha e chora aos pés <strong>de</strong> um homem consegue tudo,<br />
principalmente quando esse homem é um moço.<br />
Mariana abaixou a cabeça.<br />
– Depois, prosseguiu Salustiano, convirá que seu pai se interesse a meu favor,<br />
convirá que a “Bela Órfã” ouça os seus conselhos, e até os seus rogos; e, em último<br />
caso, é preciso que se imponha.<br />
– E se ela resistir?<br />
– É uma criança; resistirá ao princípio, chorará <strong>de</strong>pois, e ce<strong>de</strong>rá no fim.<br />
– Está bem.<br />
– Não voltarei a esta casa, concluiu Salustiano levantando-se, senão na<br />
véspera <strong>de</strong> seu casamento, e então... ou se hão <strong>de</strong> assinar as escrituras do meu, ou...<br />
a senhora o sabe...<br />
Salustiano saiu.<br />
Meu Deus!... meu Deus!... exclamou Mariana dolorosamente; eu não pensava<br />
qu e a minha <strong>de</strong>sgraça fosse tão gran<strong>de</strong>!... eu não me lembrava <strong>de</strong> ter<br />
escrito a confissão do último crime!... Oh!... isso foi loucura... e a loucura que<br />
me fez escrever tal, é o primeiro castigo da Providência!...<br />
----------------------------------------------------------------------------------------------<br />
-------<br />
Quando Salustiano <strong>de</strong>ixou o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”, o velho Rodrigues estava<br />
sossegadamente sentado na porta do alpendre... mas não cantava como <strong>de</strong> costume.<br />
180