OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ante o milionário imoral, cuja presença em uma casa é ás vezes o anúncio da<br />
<strong>de</strong>sonra.<br />
É por isso... mas basta. E se a socieda<strong>de</strong> disser que mentimos, nós a<br />
mandaremos olhar para si mesma; e ela há <strong>de</strong> por força corar <strong>de</strong> vergonha,<br />
observando-se.<br />
Ainda se o caminho da fortuna e da riqueza se facilitasse a todos os homens...<br />
mas não; uma porta <strong>de</strong> ferro a fecha, e o pobre não po<strong>de</strong> vencê-la, porque não tem a<br />
chave que abre todas as portas... o dinheiro.<br />
E agora pensareis que por isso maldizemos a socieda<strong>de</strong> geral?... que sobre os<br />
ombros lhe lançamos a pesada culpa <strong>de</strong> tanta miséria?... Não, mil vezes, não!<br />
Não <strong>de</strong>ve ser maldita a socieda<strong>de</strong> geral; sê-lo <strong>de</strong>ve somente a socieda<strong>de</strong> que<br />
governa.<br />
Aí está o poeta nacional que brada:<br />
“Nasce <strong>de</strong> cima a corrução dos povos”.<br />
E aí está a socieda<strong>de</strong> que governa, justificando o bradar do poeta:<br />
Com a impunida<strong>de</strong> espantosa do rico.<br />
Com o patronato, o escândalo, e a servidão vergonhosa que se presta ao rico.<br />
Com a preferência inaudita que em tudo se dá mil vezes ao rico sem mérito<br />
algum, sobre o homem que, sendo embora distinto, é todavia pobre.<br />
O que queríeis que fizesse a socieda<strong>de</strong> geral?... ela hoje, como sempre,<br />
arremeda a socieda<strong>de</strong> que governa.<br />
É o governo quem <strong>de</strong>smoraliza quem tem <strong>de</strong>smoralizado o povo; o erro vem<br />
daqueles a quem cumpria mostrar o bom caminho, caminhando eles mesmos<br />
adiante.<br />
Mas seja <strong>de</strong> quem for a culpa, o resultado é sempre o mesmo. A socieda<strong>de</strong>,<br />
geralmente pervertida, repele a pobreza o <strong>de</strong>svalimento.<br />
E agora compreen<strong>de</strong>i conosco o homem pobre lançado aí no meio da<br />
socieda<strong>de</strong> que o rejeita. Entrai conosco <strong>de</strong>ntro do seu coração para po<strong>de</strong>r bem sentir<br />
o que se passa nele.<br />
Em conseqüência <strong>de</strong>sse constante sofrer, em conseqüência da inabalável<br />
firmeza com que a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve o nefando programa da onipotência da<br />
riqueza, resulta que profundas e terríveis convicções se imprimem no coração do<br />
pobre. Ele se acha convencido que nas relações políticas não se dá jamais igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> lei entre rico e pobre, quer se <strong>de</strong>va “proteger”, quer “castigar”. Há iniqüida<strong>de</strong><br />
sempre; porque para o pobre não há proteção, mas há castigo, e para o rico há<br />
proteção, há patronato, e há impunida<strong>de</strong>.<br />
Nas relações domésticas, em conseqüência <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>pravação pública, tributase<br />
um culto espantoso à riqueza, e o homem pobre acha quase sempre naqueles que<br />
mais têm, ou <strong>de</strong>sprezo, ou um esquecimento involuntário, que dói ainda mais,<br />
porque é a <strong>de</strong>monstração viva da própria miséria.<br />
Sabeis qual é, e qual será o resultado <strong>de</strong> tudo isto?...<br />
É que hoje o pobre não tem amor às instituições, nem confiança no governo;<br />
porque as leis servem somente <strong>de</strong> puni-lo, e o governo não cura <strong>de</strong> protegê-lo.<br />
41