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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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E o rico senhor do batel <strong>de</strong> prata, que <strong>de</strong>saparecia...<br />

E o velho do carro majestoso que se sumia...<br />

Faltava o mancebo da cesta <strong>de</strong> flores...<br />

Em vez <strong>de</strong>le, como por encanto ainda, como por um novo sonho, a <strong>de</strong>speito<br />

da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Celina, que estimava talvez admirar <strong>de</strong> novo no lindo mancebo <strong>de</strong><br />

cabelos negros e on<strong>de</strong>ados, e olhos pretos e brilhantes... em vez <strong>de</strong>le... se foi<br />

erguendo à margem do lago um túmulo sem pompa, cuja única inscrição eram três<br />

letras – P. A. – e um C. –, e junto <strong>de</strong>sse túmulo, que era em tudo semelhante ao que<br />

ela vira no dia <strong>de</strong> finados erguido à memória <strong>de</strong> seus pais, estava rezando ajoelhado<br />

um mancebo pálido e melancólico, que lhe estendia a mão e a convidava para ir<br />

rezar com ele...<br />

Esse mancebo tinha o rosto do filho adotivo da velha Irias...<br />

Celina esteve muito tempo embevecida como contemplando essa nova<br />

aparição...<br />

Pareceu-lhe enfim notar que o mancebo a olhava com vistas tão ar<strong>de</strong>ntes... tão<br />

fascinadoras que penetravam até o fundo <strong>de</strong> sua alma, que a faziam estremecer toda,<br />

e lhe lançavam no coração um <strong>de</strong>sassossego indizível: teve medo... e sentando-se no<br />

leito, soltou um pequeno grito.<br />

Receou <strong>de</strong>pois ter <strong>de</strong>spertado sua tia: escutou... ela ressonava brandamente.<br />

Celina passou então a mão pela fronte, e sentiu que estava em fogo. Parecia<br />

que um calor abrasante a sufocava. Ergueu-se, e envolvendo-se em leves vestidos,<br />

dirigiu-se à janela, abriu a vidraça, e... ficou meditando.<br />

Por que é que sua imaginação transformara a última, a mais bela cena <strong>de</strong> seu<br />

querido sonho, em uma cena tão solene e melancólica? e por que principalmente em<br />

vez do mancebo <strong>de</strong> cabelos e olhos negros, lhe mostrava agora Cândido, tão pálido,<br />

tão triste?<br />

Por que é que Cândido a. olhava <strong>de</strong> um modo tão singular, e por que tremia<br />

ela mesma à força <strong>de</strong>sse olhar, e sentia no coração esse <strong>de</strong>sassossego tão gran<strong>de</strong>?...<br />

Como é que os olhos do homem po<strong>de</strong>m ter influência sobre o coração <strong>de</strong> uma<br />

moça?...<br />

Celina fazia essas perguntas a si mesma, e <strong>de</strong>pois procurava lembrar-se do<br />

que em realida<strong>de</strong> sucedia entre ela e esse mancebo. Cândido estava sempre afastado<br />

<strong>de</strong>la quando vinha ao “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”; quase nunca lhe dirigia a palavra; jamais,<br />

se alguma vez lhe falava, atrevia-se a erguer os olhos até seu rosto; mas às vezes<br />

também Celina olhando <strong>de</strong> repente para ele, o encontrava <strong>de</strong>vorando-a com vistas<br />

ar<strong>de</strong>ntes e magnéticas, com olhares que a faziam estremecer e ficar <strong>de</strong>sassossegada.<br />

Por que era que acontecia tudo isso?...<br />

A “Bela Órfã” começou <strong>de</strong>pois a observar-se a si mesma, a estudar o que se<br />

passava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, e principiou pouco a pouco a <strong>de</strong>cifrar um gran<strong>de</strong> mistério.<br />

A primeira vez que encontrara esse mancebo, encontrara-o em uma posição<br />

caridosa, e em uma ocasião solene. De joelhos, junto ao túmulo <strong>de</strong> seus pais. Orava<br />

<strong>de</strong> certo por eles já mortos, e talvez por sua filha ainda viva. Naturalmente encontro<br />

<strong>de</strong> semelhante gênero produziu viva e profunda impressão em seu ânimo, e nunca<br />

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