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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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<strong>de</strong>sgraças, e nessa mesma eternida<strong>de</strong> acham um gran<strong>de</strong> lenitivo para sua dor. Um<br />

poeta!... se ele ama, ele o diz nos seus livros, faz do que se passa em sua alma um<br />

romance; está dizendo que ama e a quem ama à face do mundo inteiro, e ninguém<br />

compreen<strong>de</strong> o belo segredo que está <strong>de</strong>rramado em todas as páginas <strong>de</strong> seu livro<br />

senão a pessoa que ele quer que compreenda!... oh!... se eu fora poetisa!<br />

E prosseguiu ainda:<br />

– Um poeta! um homem excepcional... o gênio tem por força em si alguma<br />

coisa <strong>de</strong> divino; assim como o oceano é no universo o que po<strong>de</strong>ria dar a idéia do<br />

infinito, se a idéia do infinito se pu<strong>de</strong>sse dar; o poeta arremedaria o po<strong>de</strong>r da<br />

divinda<strong>de</strong>, se esse po<strong>de</strong>r chegasse a ser arremedado. Porque o poeta cria também o<br />

seu mundo, o seu universo; levanta palácios e abre cavernas; <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> as<br />

tempesta<strong>de</strong>s e faz belas auroras... oh!... que riqueza há aí tão rica como a imaginação<br />

<strong>de</strong> um poeta!... oh! se eu fosse poetisa!...<br />

Respirou alguns instantes, e continuou:<br />

– Se eu fosse poetisa... não precisava tanto, se eu pu<strong>de</strong>sse ao menos escrever<br />

algumas páginas, que eu mesma não me fatigasse, lendo-as, ao chegar ao fim da<br />

primeira... oh!... que felicida<strong>de</strong>!... eu havia <strong>de</strong> pintar o estado do meu coração...<br />

exalar meus tormentos e minhas sauda<strong>de</strong>s nas páginas do meu livro... escreveria<br />

com lágrimas; porém <strong>de</strong>pois, que consolação!... eu beijaria minha alma nas minhas<br />

letras, beijaria meus olhos nas minhas lágrimas...<br />

Celina hesitou um momento, e <strong>de</strong>pois disse:<br />

– Quem sabe?...<br />

Ficou pensando ainda:<br />

– Não... não eu não escreveria nada que merecesse ser lido... iria <strong>de</strong>scorar o<br />

quadro que existe traçado no meu pensamento... mas em suma, ninguém havia <strong>de</strong> ler<br />

o que eu escrevesse... era um livro que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acabado eu lançaria no fogo...<br />

oh!... se eu pu<strong>de</strong>sse escrever...<br />

Ela tornou a hesitar e <strong>de</strong>pois disse como da primeira vez:<br />

– Quem sabe?!...]<br />

A moça pensou ainda... parecia lutar entre um gran<strong>de</strong>, um nobre <strong>de</strong>sejo, e um<br />

receio, que, apesar <strong>de</strong> pueril, podia muito no seu ânimo. Enfim o nobre <strong>de</strong>sejo<br />

triunfou.<br />

A “Bela Órfã” ergueu-se do leito on<strong>de</strong> estava recostada, foi primeiro observar<br />

se sua tia estava no quarto vizinho... Mariana dormia.<br />

Tomou então todas as disposições para escrever, e sentando-se junto <strong>de</strong> uma<br />

mesa, começou a trabalhar.<br />

O fruto das inspirações daquela virgem <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong>via ser cheio <strong>de</strong><br />

pensamentos inocentes e puros: era talvez como uma flor que <strong>de</strong>rrama na solidão<br />

perfumes agradáveis e leves.<br />

Ao terminar a primeira página, a “Bela Órfã” parou <strong>de</strong> repente ouvindo a voz<br />

do velho Rodrigues.<br />

O guarda-portão do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” cantava, sem dúvida no fundo do<br />

alpendre, um romance já conhecido <strong>de</strong> Celina.<br />

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