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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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<strong>de</strong>leitosa no presente, sem uma esperança passageira no futuro. Sim, o navio que me<br />

levava aportou às terras <strong>de</strong> Portugal; uma família carinhosa, mas que eu não<br />

conhecia, me foi a bordo receber. Cresci, <strong>de</strong>svelaram-se em educar-me; essa família,<br />

que pouco tinha para si, <strong>de</strong>u-me mais instrução que a seus filhos; nada me faltava, e<br />

eu não podia saber don<strong>de</strong> tanto me vinha. Oh! senhora!... exclamou o mancebo,<br />

esquecendo a ironia amarga com que até então falara, será pois felicida<strong>de</strong> essa<br />

riqueza no meio <strong>de</strong> tanta miséria?...<br />

A velha não respon<strong>de</strong>u.<br />

– Oh!... compreen<strong>de</strong>is vós acaso como é que soavam na minha alma esses<br />

nomes sagrados <strong>de</strong> – meu pai! minha mãe! – que chegavam às vezes a meus<br />

ouvidos, saídos do coração <strong>de</strong> meus camaradas, que tinham mãos <strong>de</strong> pai para beijar,<br />

e um seio <strong>de</strong> mãe para recebê-los?... com que dolorosa impressão, eu, <strong>de</strong>sterrado da<br />

mais bela das pátrias, via no meio das agitações políticas, no correr dos perigos, os<br />

homens animar-se e progredir, arrostar tudo pela glória da terra <strong>de</strong> seu berço, e<br />

entusiasmados ferver-lhes o sangue ao só escutar dos hinos patrióticos?... e<br />

compreen<strong>de</strong>is enfim, senhora, como se me enregelava o coração, quando eu pensava<br />

nesse mistério in<strong>de</strong>cifrável que envolvia o meu passado e obscurecia o meu<br />

porvir?... Órfão e <strong>de</strong>sterrado, sem saber nem ao menos <strong>de</strong> mim mesmo, eu <strong>de</strong>via<br />

consi<strong>de</strong>rar-me muito feliz não é assim?...<br />

A velha obstinava-se em não cortar o fio das reflexões do mancebo.<br />

– Pois no meio <strong>de</strong>ssa minha tão gran<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>, senhora, vinha um menino<br />

que me era parceiro nos estudos e nos brincos, e me perguntava: “Cândido, quem é<br />

teu pai?...” Vinha <strong>de</strong>pois logo outro que me falava assim: “Cândido, tu não tens<br />

mãe?...” Vinha logo após um terceiro que me dizia: “Cândido, por que tão pequeno<br />

<strong>de</strong>ixaste a terra on<strong>de</strong> nasceste?” E eu só lhe respondia: não sei!. E vinham <strong>de</strong>pois<br />

um, dois, vinte outros que me perguntavam: “Como te chamas?... Cândido, <strong>de</strong> quê?”<br />

E eu que não tinha nome <strong>de</strong> família, eu que sou só no mundo, lhes respondia<br />

sempre: – Cândido – só. – E sabeis, senhora, o resultado <strong>de</strong> tudo isso?... é que<br />

apo<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong> mim a convicção <strong>de</strong> que eu era, <strong>de</strong> que eu sou o somenos <strong>de</strong> todos os<br />

homens; porque entre todos os homens não há um só que, como eu, não tenha pai,<br />

não tenha mãe, não tenha nome, nem passado, nem futuro!... oh!... que até me<br />

quiseram roubar aquilo que a ninguém se nega... uma pátria!...<br />

Irias nem se moveu à vista do exagerado quadro daquela <strong>de</strong>sgraça, que a<br />

imaginação ar<strong>de</strong>nte do mancebo traçava com tintas tão medonhas. Cândido falou<br />

ainda.<br />

– Quereis, senhora, que vos repita ainda outras provas <strong>de</strong> minha pretendida<br />

felicida<strong>de</strong>?... quereis que eu pise minhas feridas? eu o farei. Aos <strong>de</strong>zoito anos <strong>de</strong><br />

minha ida<strong>de</strong> vestiram-me vestidos negros, enrolaram <strong>de</strong> fumo o meu chapéu; e<br />

quando eu perguntei o que queria isso dizer, respon<strong>de</strong>ram-me: “Morreu teu pai!”<br />

Ouvistes bem, senhora?... era meu pai que tinha morrido; meu pai, que nunca me<br />

havia abençoado!<br />

A velha não pronunciou uma só palavra.<br />

– Depois <strong>de</strong>ram-me uma bolsa cheia <strong>de</strong> ouro, embarcaram-me em um navio,<br />

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