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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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uma só palavra, medrosa talvez <strong>de</strong> ver renovar-se o <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> seu filho adotivo.<br />

Finalmente foi Cândido quem rompeu o silêncio, dizendo tristemente:<br />

– Eu me lembro do que disse: pedi que não me chamásseis vosso filho.<br />

– Não falemos mais nisso.<br />

– Ao contrário, <strong>de</strong>vemos falar; pois eu... eu que não quero <strong>de</strong>ixar em vosso<br />

coração a mais leve dúvida a respeito <strong>de</strong> meus sentimentos, pedi que me não<br />

chamásseis vosso filho... foi um <strong>de</strong>svario produzido por minha exaltação: eu vos<br />

ofendi, porque não estava em mim; um remorso, que me tortura, fez-me <strong>de</strong>lirar.<br />

– Um remorso!...<br />

– O remorso <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> falta que eu cometi, e da qual já comecei a<br />

receber o castigo.<br />

– Como?... quando?... perguntou Irias.<br />

– Desrespeitei um sentimento sagrado... quis cultivar na minha alma uma flor<br />

estranha ao pé <strong>de</strong> outra flor, que lá está plantada pela mão do Senhor Deus. Sabeis o<br />

que aconteceu?...<br />

– O quê?<br />

– A flor estranha está murcha... está morta, disse com voz trêmula e dolorosa<br />

o mancebo; mas <strong>de</strong>ixou para sempre na minha alma o germe <strong>de</strong> um tormento<br />

horrível... <strong>de</strong>sesperado!<br />

Os olhos e o rosto <strong>de</strong> Cândido acendiam-se <strong>de</strong> novo: a velha começou a recear<br />

que sobreviesse algum aci<strong>de</strong>nte mais grave, e ia falar, quando o moço prosseguiu<br />

com voz cada vez mais repassada <strong>de</strong> dor:<br />

– Plantei em um vaso sagrado uma flor humana, quis equiparar um<br />

sentimento, que me veio do céu, com outro que achei na terra. O resultado é este; o<br />

vaso foi profanado... a flor humana feneceu... um remorso é o que <strong>de</strong>la me resta.<br />

– Cândido!<br />

– Quereis dizer que não me ten<strong>de</strong>s compreendido?... eu vos explico tudo;<br />

meta<strong>de</strong> da culpa pertence-vos também; mas mal não vos quero por isso. Ouvi-me.<br />

A velha não achou uma só palavra para dizer a Cândido, que continuou a<br />

falar.<br />

– O amor dos pais vem do céu: é um sentimento tão gran<strong>de</strong>, tão nobre, tão<br />

divino, que apesar <strong>de</strong> ser natural a todos os homens; <strong>de</strong> às vezes achar-se um bom<br />

filho em um mau cidadão; o Senhor Deus <strong>de</strong>sceu do céu, misturou-se com os<br />

homens e quis que esse sentimento fosse <strong>de</strong>le também, fazendo-se filho <strong>de</strong> uma<br />

mulher. O amor dos pais nos anima, nos consola, nos exalta, nos aproxima <strong>de</strong> Deus.<br />

Oh! eu nunca vi meus pais, e os amei com toda a força <strong>de</strong> minha alma. Quando<br />

soube que no mundo só me restava mãe, concentrei todos os raios da minha<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar nessa mulher, que eu tenho criado na minha imaginação tão bela<br />

como um anjo. Oh! minha mãe!... eu não tinha pensamento que não fosse <strong>de</strong>la;<br />

todos os meus <strong>de</strong>sejos, todos os meus sonhos <strong>de</strong> venturas relacionavam-se com ela:<br />

oh!... eu pensava ser, mas não era <strong>de</strong>sgraçado! porque no meio <strong>de</strong> meus dissabores,<br />

<strong>de</strong> minhas tristes vigílias, <strong>de</strong> meus sofrimentos e <strong>de</strong> minhas privações, a imagem <strong>de</strong><br />

minha mãe me aparecia bela... amante... carinhosa; e, contemplando essa imagem,<br />

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