OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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qual Anacleto adormecia suas mágoas, o mancebo importuno e terrível vem<br />
<strong>de</strong>spertá-las.<br />
O triste velho viu Salustiano aproximar-se <strong>de</strong> sua filha, conheceu no<br />
semblante <strong>de</strong>la que havia terror <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua alma, e sem po<strong>de</strong>r vencer-se, segue o<br />
par que passeia e conversa; apura o ouvido, e apanha algumas palavras.<br />
– Ignora que eu tenho em minhas mãos os meios <strong>de</strong> vingar-me; e que existe<br />
no seu coração um amor que eu posso <strong>de</strong>struir?... – tinha dito Salustiano.<br />
E Mariana tremera e balbuciara uma frase que ele não pô<strong>de</strong> ouvir.<br />
O terrível moço continuara:<br />
– Eu vou ter daqui a pouco uma hora <strong>de</strong> prática com o sr. Henrique.<br />
Mariana estava <strong>de</strong>sfigurada pelo terror.<br />
– No fim <strong>de</strong>ssa hora estarei vingado.<br />
Anacleto não teve coragem para ouvir mais nada; luziu-lhe no ânimo a idéia<br />
<strong>de</strong> cair sobre aquele homem com suas mãos trêmulas, e afogá-lo ali mesmo... mas<br />
lembrou-se <strong>de</strong> que ele podia gritar... falar muito alto... e o pobre pai não sabia o que<br />
é que toda a socieda<strong>de</strong> reunida em sua casa chegaria a saber.<br />
Com o coração <strong>de</strong>spedaçado correu para o jardim, atirou-se ao banco <strong>de</strong> relva,<br />
e, cobrindo o rosto com as mãos, começou a chorar e soluçar <strong>de</strong>sesperadamente.<br />
– Oh! meu Deus! meu Deus!... exclamava ele.<br />
E <strong>de</strong>pois pensava consigo mesmo: será possível que aquela gente toda tenha<br />
os olhos fechados, que não observe e reprove o procedimento <strong>de</strong> minha filha?... que<br />
não leia na horrível pali<strong>de</strong>z <strong>de</strong> seu semblante a prova irrecusável <strong>de</strong> um crime?...<br />
que não esteja olhando para mim com pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> meus cabelos brancos?<br />
– Oh! meu Deus!... meu Deus!... exclamava.<br />
E <strong>de</strong>pois, continuava a pensar consigo mesmo. Que crime terá praticado<br />
minha pobre filha?... porque a submissão, com que ela se curva àquele bárbaro, não<br />
é amor... não... eu conheço minha filha, ela <strong>de</strong>testa esse indigno mancebo; mas ele<br />
falou em vingar-se... disse que tinha em suas mãos os meios da vingança: oh! pois<br />
então a minha pobre Mariana é criminosa?... a filha do meu coração há <strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>sgraçada?... ousaria ela manchar as cãs <strong>de</strong> seu pai?... a minha pobre, a minha<br />
querida filha... o meu anjo!...<br />
– Oh! meu Deus!... meu Deus! exclamava.<br />
E <strong>de</strong>pois, continuava ainda a pensar consigo mesmo: ser pai é uma coisa<br />
muito triste; ter filhos é abrir a alma aos pesares!... oh! estes filhos, a quem damos a<br />
vida, nos matam!... estes filhos, a quem em pequeninos sustentamos pelas<br />
mãozinhas para fazê-los andar, e carregamos aos nossos ombros, vêm <strong>de</strong>pois com as<br />
suas loucuras empurrar-nos para o túmulo!... oh! neste mundo não há missão mais<br />
difícil, mais cheia <strong>de</strong> lágrimas, do que a missão <strong>de</strong> pai!... e então eu... tão velho!<br />
com a cabeça coroada pela neve dos anos, trêmulo, sem forças, com os pés na cova,<br />
nem ao menos morrer consolado! o que eu pedia ao céu era fazer minha filha<br />
venturosa, e <strong>de</strong>pois morrer... E há <strong>de</strong> agora a vergonha vir fechar-me os olhos?!... e<br />
morrendo, <strong>de</strong>ixarei minha pobre filha do coração, só, <strong>de</strong>solada, <strong>de</strong>sprezada pelos<br />
homens, e sem amparo no mundo!... isto é horrível... é capaz <strong>de</strong> matar <strong>de</strong> repente!<br />
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