18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

coração uma sepultura para eternamente encerrar os segredos das famílias; esse<br />

sim... esse é médico.<br />

E se acaso se orgulha <strong>de</strong> sê-lo, tem, <strong>de</strong> sobra, razão para orgulhar-se.<br />

Nobre, alta, importante, solene missão é essa!... e essa missão tinha sido<br />

cumprida à risca pelo dr. Paulo Ângelo.<br />

A vida <strong>de</strong> Paulo Ângelo fora uma longa história <strong>de</strong> filantropia e carida<strong>de</strong>:<br />

compreen<strong>de</strong>ndo perfeitamente o ministério do médico, não se arredara nunca<br />

em nenhum <strong>de</strong> seus passos da linha <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r que lhe cumpria seguir. Dias<br />

e noites gastara ele em fazer bem ou em preparar-se para fazê-lo a seus<br />

semelhantes, porque <strong>de</strong> dia eram suas horas votadas à observação e ao<br />

cuidado <strong>de</strong> seus enfermos; e <strong>de</strong> noite estudava, estudava sempre, pois que<br />

jamais pensava ser suficientemente sábio. Havia reconhecido que, assim como<br />

o homem moral, o homem físico é também um livro imenso, em que sempre<br />

se acham segredos novos para interpretar; e que lendo-se mesmo <strong>de</strong> contínuo<br />

até à última hora da vida, ainda assim não se tem lido bastante, ou antes nunca<br />

se chega à sua página <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira.<br />

Moço ainda, <strong>de</strong>sposara ele uma mulher virtuosa e amável; e o céu abençoando<br />

sua união lhe fez presente <strong>de</strong> uma filha, que <strong>de</strong>veria fazer o encanto <strong>de</strong> sua velhice.<br />

Ocupou-se <strong>de</strong>svelado em sua educação: possível e muito, lhe fora preparar-lhe uma<br />

herança elevada porque, médico hábil e afamado, exercia uma clínica vasta e<br />

rendosa; quase sempre, porém, meta<strong>de</strong> do estipêndio do rico ficava <strong>de</strong>baixo do<br />

travesseiro do pobre.<br />

No entanto, se seus cofres permaneciam vazios, as bênçãos do povo choviam<br />

sobre Paulo Ângelo e sua família, pois que sua esposa, obe<strong>de</strong>cendo à própria índole,<br />

e seguindo os exemplos que ele lhe dava, cumpria também a santa virtu<strong>de</strong> da<br />

carida<strong>de</strong>, com essa graça no bem-fazer, com esse segredo <strong>de</strong> ser beneficente quase<br />

brincando, <strong>de</strong> que somente são capazes as mulheres; e sua pequena filha<br />

amamentada com o leite da virtu<strong>de</strong>, embalada no berço da beneficência, era um<br />

galante querubim, <strong>de</strong> quem Deus mo<strong>de</strong>lara o coração, e o amor o rosto.<br />

Ia indo Paulo Ângelo em seu viver sossegado e ditoso, quando no começo do<br />

ano <strong>de</strong> 1844 foi vítima <strong>de</strong> seu próprio ministério: contraindo uma enfermida<strong>de</strong><br />

contagiosa, trouxe o germe da morte para o centro <strong>de</strong> sua família, e em um mesmo<br />

dia os sinos da capital gemeram com seu dobre lúgubre por ele e por sua esposa.<br />

Era um espetáculo bem triste ver famílias inteiras, <strong>de</strong> quem ele havia sido o<br />

benfeitor, acompanhar chorando seu carro fúnebre!... era uma cena <strong>de</strong>spedaçadora<br />

vê-las ao <strong>de</strong>rredor <strong>de</strong> seu féretro misturando lamentos e soluços com os hinos<br />

funerais dos sacerdotes.<br />

E havia, com tudo isso, um objeto ainda mais triste, ainda mais lamentável do<br />

que todo esse espetáculo: havia uma órfã <strong>de</strong> quatorze anos.<br />

Aos quatorze anos, pois, ficou quase só no mundo a filha <strong>de</strong> Paulo Ângelo. É<br />

verda<strong>de</strong> que um nobre e respeitável ancião, seu avô paterno, encarregou-se <strong>de</strong> sua<br />

tutela; que ela achou em uma bela e interessante senhora, filha <strong>de</strong> seu avô, e<br />

portanto sua tia, uma companheira e amiga. É certo, que firmes e não ingratos se<br />

5

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!