18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

estudar suas músicas. Em uma <strong>de</strong>ssas horas <strong>de</strong> estudo, a moça, sentindo ruído e<br />

olhando para a porta, viu a cabeça branca do velho Rodrigues, que a escutava.<br />

– Que faz aí, sr. Rodrigues? perguntou ela docemente.<br />

– Escuto, respon<strong>de</strong>u o velho.<br />

– Pois então é melhor ouvir <strong>de</strong> perto; entre.<br />

O velho abriu a porta e entrou.<br />

– Sente-se.<br />

Rodrigues sentou-se junto do piano.<br />

– Gosta <strong>de</strong> música? perguntou a moça.<br />

– Oh! muito! muito!<br />

– Sim: é verda<strong>de</strong>... também eu lhe tenho ouvido cantar à porta do alpendre.<br />

– Que cantar! que canto eu?... cantigas tão velhas como eu, ou <strong>de</strong>- certo mais<br />

velhas ainda; que as aprendi no colo <strong>de</strong> minha mãe quando ela me fazia adormecer<br />

ouvindo-as.<br />

– E que, portanto, <strong>de</strong>vem ser bem caras ao seu coração.<br />

– Decerto; mas só ao meu coração.<br />

– Também não é assim, sr. Rodrigues, porque, pelo menos eu, tenho muitas<br />

vezes ficado esquecidamente à janela, ouvindo suas cantigas melancólicas e ternas.<br />

– Está zombando <strong>de</strong> mim, senhora?<br />

– Oh não! não! e tanto que lhe proponho o ensinar-me algum <strong>de</strong> seus velhos<br />

romances.<br />

– Hoje ninguém mais gosta disso.<br />

– Gosto eu, e lhe peço que nos ensine.<br />

Depois <strong>de</strong> um teimoso recusar da parte do velho Rodrigues, conseguiu enfim<br />

a “Bela Órfã” o que pedia. E <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, em todas as horas <strong>de</strong> sesta, o guardaportão<br />

lhe ia cantar um solau ou uma balada, e em troco Celina fazia ouvir suas mais<br />

belas peças.<br />

E havia beleza nesse cantar do velho.<br />

Rodrigues, com seu trêmulo barítono, com sua coroa <strong>de</strong> neve na cabeça, e sua<br />

melancolia do <strong>de</strong>clinar da vida, parecia ainda mais próprio para a execução daqueles<br />

cantos do passado.<br />

E havia também, apesar <strong>de</strong> tudo, muito interesse nesses mesmos cantos do<br />

passado.<br />

A balada, o solau, o romance nacional é o canto do coração e da natureza.<br />

Não é seu único mérito o ter sido com eles que outrora nossas mães nos embalavam<br />

no berço e nos adormeciam no colo. É principalmente porque há neles a música, a<br />

cor e o falar da pátria; é porque eles cantam o caro que se passou na terra que nos<br />

viu nascer; porque enfim a balada, o solau, o romance nacional é como nós filho <strong>de</strong><br />

uma só terra, é nosso irmão.<br />

Celina tinha <strong>de</strong> tal modo tomado gosto por esse gênero <strong>de</strong> música, que a<br />

presença do guarda-portão em seus estudos da tar<strong>de</strong> já era para ela uma necessida<strong>de</strong>.<br />

Por isso, foi com vivo movimento <strong>de</strong> prazer que ela viu mostrar-se à porta da sala a<br />

cabeça branca e o olhar malicioso do velho Rodrigues.<br />

69

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!