18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

o que se passava então no “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />

Estava-se aí tecendo uma <strong>de</strong>ssas intrigas <strong>de</strong> salão... era uma mina que se<br />

abria; qual <strong>de</strong>veria ser a vítima?...<br />

Moço e inexperiente, Cândido nada pô<strong>de</strong> concluir <strong>de</strong> suas observações: a<br />

assembléia toda se mostrava, como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo da noite, alegre e festiva;<br />

Mariana sorria-se meigamente para Henrique; Celina estava bela e contente, mesmo<br />

mais contente do que ordinariamente parecia.<br />

No meio <strong>de</strong> tanto prazer, como achar a origem <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> tristeza?...<br />

O velho Anacleto chegou pouco <strong>de</strong>pois, e Cândido ficou ainda admirado ao<br />

vê-lo prazenteiro dirigir-se a todos, gracejando com as senhoras e animando a<br />

socieda<strong>de</strong> já um pouco fatigada.<br />

Na alma <strong>de</strong> Cândido apareceu este pensamento; “Quem sabe se alguns dos<br />

que se estão aqui rindo alegremente, não terão ido chorar, às ocultas, como o velho<br />

Anacleto?”<br />

Pela primeira vez em sua vida ele sentiu que, nas socieda<strong>de</strong>s, o rosto se<br />

mascara com sorrisos... com olhares... e com palavras.<br />

Henrique e Mariana separaram-se. Salustiano ia dirigindo-se ao primeiro,<br />

tendo porém os olhos fitos na filha <strong>de</strong> Anacleto, que, mal po<strong>de</strong>ndo conter um<br />

movimento <strong>de</strong> terror, foi direita ao lugar on<strong>de</strong> estava Cândido.<br />

Salustiano voltou imediatamente à sua primeira posição.<br />

Mariana falou a Cândido. Sua voz parecia comovida.<br />

– Quer fazer-me obséquio <strong>de</strong> dar-me o braço?<br />

– Oh! com sumo prazer.<br />

Um homem pobre agra<strong>de</strong>ce com tanto reconhecimento qualquer pequenina<br />

prova <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração!...<br />

– Para on<strong>de</strong> quer que a acompanhe, minha senhora?... prefere passear nas<br />

salas, ou ir ao jardim?..<br />

– Vamos ao jardim.<br />

Cândido observou que o braço <strong>de</strong> Mariana tremia.<br />

Quando chegaram ao jardim, a viúva e o mancebo entraram no caramanchão,<br />

e ela, sentando-se no banco da relva, disse:<br />

– Sente-se ao pé <strong>de</strong> mim... conversemos.<br />

Cândido sentou-se curioso; Mariana hesitava.<br />

Aquela mulher, <strong>de</strong> caráter tão forte, ia cumprir as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> um homem que<br />

não era seu pai, nem seu marido, nem seu irmão. Agora fraca e humil<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>sempenhava o papel <strong>de</strong> escrava, obe<strong>de</strong>cendo ao aceno <strong>de</strong> seu senhor.<br />

Esteve em silêncio por algum tempo a <strong>de</strong>vorar seu cálice <strong>de</strong> amargura ali,<br />

naquele banco <strong>de</strong> torturas, on<strong>de</strong> pouco antes seu pai havia tanto chorado por causa<br />

<strong>de</strong>la.<br />

Enfim, com esforço indizível tomou a mão <strong>de</strong> Cândido, apertou-a entre as<br />

suas, e disse:<br />

– Este mundo... este mundo, senhor, é um inferno!...<br />

– Para os infelizes, senhora.<br />

108

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!