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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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– Pois além <strong>de</strong>ssa, não há mais nenhuma esperança em teu coração?..<br />

– Nenhuma, nenhuma absolutamente.<br />

A velha talvez para <strong>de</strong>ixar a Cândido tempo <strong>de</strong> serenar-se, guardou silêncio<br />

por alguns minutos, e prosseguiu <strong>de</strong>pois:<br />

– Pois espero, Cândido, que sejas feliz bem cedo.<br />

– Vós esperais, não duvido; mas quantas vezes na vida a esperança não é<br />

somente uma ilusão?...<br />

– Meu filho, eu <strong>de</strong>vo dizer-te que essa misantropia que te amortece, esse<br />

<strong>de</strong>sespero que te vai consumindo, ofen<strong>de</strong> a Deus Nosso Senhor.<br />

– Deus lê no meu coração, e sabe que eu nada esperando dos homens, nesta<br />

vida, espero tudo <strong>de</strong>le na outra.<br />

– E te julgas com razões bem fortes para nada esperar dos homens, e te<br />

dizeres tão sem remédio <strong>de</strong>sgraçado?<br />

– Creio que sim, minha mãe.<br />

– Creio que não, meu filho.<br />

– Oh! senhora! quereis que eu não veja o que tenho diante dos olhos, e que eu<br />

não sinta o que me pesa <strong>de</strong>ntro da alma?...<br />

– Não; mas quero que um quadro, que é somente triste, não o faça tua<br />

imaginação pavoroso e horrível.<br />

– Sim... ten<strong>de</strong>s razão, exclamou o mancebo com um sorrir <strong>de</strong> acerba ironia;<br />

ten<strong>de</strong>s razão... eu sou muito feliz!.<br />

A velha fez um movimento <strong>de</strong> impaciência.<br />

– Eu sou muito feliz! tornou o mancebo com nova amargurada ironia.<br />

– Cândido!...<br />

– Sim! muito feliz!... pois então?... é verda<strong>de</strong> que a minha vida foi um crime,<br />

meu nascimento um documento <strong>de</strong>sse crime, meu primeiro vagido o sentimento <strong>de</strong><br />

um castigo; é verda<strong>de</strong> que, apenas vi a luz, fui por minha mãe repelido... enjeitado...<br />

lançado fora por minha mãe!... Mas que importa isso!... Sou muito feliz!<br />

Irias ficou em silêncio olhando para Cândido, que continuou:<br />

– Tinha, porém, havido um erro na minha fortuna: repelido por minha mãe,<br />

achei eu uma mulher que me <strong>de</strong>u seu leite, a meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu pão, e todo o amor <strong>de</strong><br />

seu coração; eu vos achei, senhora. Mas, para corrigir-se esse erro, aos treze anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>, um homem que não era meu pai, certamente, um homem <strong>de</strong> cujo semblante<br />

austero e vestidos negros hei <strong>de</strong> lembrar-me sempre, arrancou-me <strong>de</strong> vossos braços,<br />

lançou-me <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um navio, e no dia seguinte eu vi <strong>de</strong>saparecer a meus olhos a<br />

terra <strong>de</strong> minha pátria!... Por conseqüência eu sou muito feliz!<br />

A velha parecia <strong>de</strong> plano querer que o mancebo fosse <strong>de</strong>rramando toda sua<br />

amargura para <strong>de</strong>pois falar por sua vez, e foi portanto ouvindo silenciosa aquela<br />

história que, sem dúvida, já tinha ouvido cem vezes.<br />

– E lá na terra estranha, prosseguiu Cândido, lá, quando eu começava a<br />

compreen<strong>de</strong>r que vivia, e que era homem, para que nada eu compreen<strong>de</strong>sse, minha<br />

vida era um mistério, e entre os homens todos era eu um homem isolado, só, sem<br />

um laço no mundo, sem uma doce recordação no passado, sem uma impressão<br />

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