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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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eu esquecia todos os meus infortúnios. Eu era pobre no mundo, mas com o meu<br />

coração rico <strong>de</strong>ste amor, eu gozei muitas vezes <strong>de</strong>lícias indizíveis; porque, quando<br />

eu me engolfava em belas fantasias a respeito <strong>de</strong> minha mãe, quando me sentia<br />

redobrar <strong>de</strong> amor por ela, oh!... parecia-me ver lá <strong>de</strong> cima, do céu, o Senhor Deus<br />

sorrindo para mim, mandar-me um anjo murmurar-me aos ouvidos – abençoado!...<br />

– Abençoado!... repetiu a velha enxugando com a face dorsal da mão duas<br />

grossas lágrimas que dos olhos lhe caíram.<br />

– Não é verda<strong>de</strong> que eu <strong>de</strong>veria contentar-me com esta suprema felicida<strong>de</strong><br />

que gozava? felicida<strong>de</strong> que não há ouro que a compre!...<br />

– Oh! sim! sim!...<br />

– Pois o coração do homem é uma fonte <strong>de</strong> insaciável ambição; o homem é<br />

tão ambicioso <strong>de</strong> riquezas, <strong>de</strong> honras, e <strong>de</strong> empregos, como <strong>de</strong> afeições. Eu perdiame,<br />

porque sou como todos os outros.<br />

– Como? que queres tu dizer?...<br />

Cândido passou a mão pela fronte e prosseguiu:<br />

– Da fresta daquela janela vi uma mulher <strong>de</strong> quem eu não podia ser filho, e<br />

que eu amei tanto quanto amava e amo a imagem <strong>de</strong> minha mãe!...<br />

– Que importa?...<br />

– Que importa?! pois não é um sacrilégio igualar o sentimento da terra com<br />

um sentimento que foi digno <strong>de</strong> Deus?! oh!... pois não é uma ingratidão<br />

inqualificável amar a uma mulher a quem nada <strong>de</strong>vemos, que muitas vezes nos não<br />

paga o nosso amor, que outras vezes é mesmo indigna <strong>de</strong> ser amada, e amá-la tanto<br />

quanto amamos aquela que pa<strong>de</strong>ceu por nós horríveis transes, aquela cujo sangue é<br />

o nosso sangue?! é sacrilégio, senhora, e é ingratidão. Eu fui sacrílego e ingrato!<br />

– Cândido!...<br />

– Esqueci tudo por uma criança <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos, que ao romper <strong>de</strong> uma<br />

aurora <strong>de</strong>scobri por entre as flores daquele jardim. O momento que bastou para vê-la<br />

começou a pesar em meu coração tanto quanto até então tinha pesado minha mãe.<br />

Esqueci minha pobreza, não me lembrei que aí por esse mundo um pobre é um ente<br />

à parte, que não <strong>de</strong>ve comer à mesa com os ricos, que não <strong>de</strong>ve amar a quem tem<br />

mais do que ele... esqueci tudo... <strong>de</strong> minha mãe, comecei a lembrar-me menos; no<br />

altar da minha alma coloquei duas santas... e quando orava, já não orava só por<br />

minha mãe!... fiz mais: <strong>de</strong>ixei o silêncio <strong>de</strong> meu quarto, fui tomar parte nas festas <strong>de</strong><br />

gente que não era pobre como eu; riram-se talvez <strong>de</strong> mim, mil vezes em cada<br />

noite!... eu diverti-os, cantei, para que me tolerassem ali... curvei-me... abaixei-me...<br />

e nem assim me toleraram.<br />

– Cândido!...<br />

– A culpa foi também vossa, exclamou Cândido; quem vos inspirou o fatal<br />

pensamento <strong>de</strong> ir patentear o estado do meu coração àquela criança?... porque<br />

viestes tirar daqui os versos que eu escrevia em minha loucura?... oh!... eis aqui a<br />

vossa e minha obra!... tiveram pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim: <strong>de</strong>spediram-me, e não me<br />

mandaram correr pelos escravos, oh! foram piedosos! respeitaram a linha com que,<br />

em seus tratos e modos, distinguem um pobre <strong>de</strong> um cão!...<br />

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