OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
acompanhou em todo o passeio. Avaliando já seus sentimentos, e levada pelo braço<br />
<strong>de</strong> um homem a quem amava, e por quem era amada, temia que uma simples<br />
palavra a pu<strong>de</strong>sse trair, que os olhos dos observadores arrasassem o segredo <strong>de</strong> si<br />
própria... e corava... e meditava; e portanto a senhora meditava e medita ainda;<br />
porque ama.<br />
– Ah! senhora!... exclamou a moça, escon<strong>de</strong>ndo o rosto com as mãos.<br />
– Minha mãe! basta!... disse o mancebo fora <strong>de</strong> si: basta, ou eu me retiro.<br />
– Não! fica! e se vale alguma coisa para ti a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mãe adotiva que<br />
em mim respeitas, fica! eu te or<strong>de</strong>no que fiques!...<br />
O mancebo ficou imóvel à voz da velha.<br />
– E este mancebo, disse ela a Celina, apontando Cândido com seu trêmulo<br />
<strong>de</strong>do, concebe a senhora como é que este mancebo lhe ama?... oh!... ele dirá que<br />
não, ele há <strong>de</strong> jurar que eu minto. E sabe por quê?... porque, escravo do mais nobre<br />
orgulho, ele não quer ser amado por uma mulher que possui mais do que ele.<br />
Quereria, senhora, vê-la pobre e <strong>de</strong>sgraçada, para lançar a alma a seus pés, e no<br />
entanto...<br />
– Basta, minha mãe!<br />
– No entanto é a senhora o objeto <strong>de</strong> seus mais belos e caros pensamentos. Ao<br />
romper da aurora ele, da fresta da janela do sótão que habita, acompanha com os<br />
olhos todos os seus passos, quando a senhora vai passear por entre suas flores...<br />
– Minha mãe!... silêncio!... exclamou o mancebo, caindo <strong>de</strong> joelhos aos pés da<br />
velha.<br />
Celina respirava apenas.<br />
– Durante o dia, continuou Irias, ele não pensa, ele não suspira, ele não vive<br />
senão pela senhora.<br />
– Minha mãe!...<br />
– De noite, se dorme, são seus os sonhos <strong>de</strong>le; se vela, ele vive ainda só pela<br />
“Bela Órfã”, e escreve hinos ao objeto <strong>de</strong> seus cultos...<br />
– Minha mãe!...<br />
– Negas isto?... perguntou a velha com tom grave.<br />
– Nego! disse Cândido.<br />
As três personagens no fervor <strong>de</strong>ssa prática se haviam insensivelmente<br />
erguido, e se tinham chegado até junto do piano.<br />
– Negas isto? repetiu Irias.<br />
– Nego, respon<strong>de</strong>u outra vez o moço.<br />
Então a velha, lançando a mão no bolso <strong>de</strong> seu vestido, tirou <strong>de</strong>le um papel, e<br />
o ia entregar a Celina; mas vendo que esta não o recebia, lançou-o sobre o piano, e<br />
disse:<br />
– Eis aí, senhora, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amor <strong>de</strong>ste mancebo.<br />
– Que é isto? perguntou Cândido.<br />
– Os versos que escreveste em uma das noites passadas.<br />
Ouviu-se nesse momento o tropel que faziam Anacleto e Mariana <strong>de</strong>scendo a<br />
escada do sótão. Cândido lançava-se sobre o papel, quando Irias o susteve com sua<br />
92