OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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– Que louca!<br />
– Depois, eu não <strong>de</strong>via também chorar; não tinha <strong>de</strong> quê; o homem que eu<br />
amei era e é digno <strong>de</strong> mim.<br />
– Certamente não foi por pensar o contrário disso que eu chorei, respon<strong>de</strong>u<br />
Celina corando.<br />
– Então por que foi?<br />
– Também não sei. Ficava só neste quarto pensando... fantasiando tantas<br />
coisas... tantas coisas... <strong>de</strong>pois ia, sem saber por que, tornando-me triste... triste... até<br />
que <strong>de</strong>satava a chorar.<br />
– E <strong>de</strong>pois?<br />
– Depois que chorava, eu me sentia um pouco mais aliviada <strong>de</strong> uma dor que<br />
não se po<strong>de</strong> dizer como é; continuava a pensar... a fantasiar outra vez... <strong>de</strong> novo me<br />
entristecia, e <strong>de</strong> novo chorava.<br />
– Pobre d. Celina!...<br />
– Olha; e nem uma só vez me tenho rido...<br />
– Mas essa tristeza?<br />
– É a um tempo muito amarga e muito doce; se me <strong>de</strong>ssem a escolher uma<br />
festa, um baile, um belo passeio, uma noite <strong>de</strong> teatro, ou uma hora <strong>de</strong> solidão, <strong>de</strong><br />
isolamento com a minha querida tristeza, eu te juro, d. Mariquinhas, que preferiria<br />
essa hora <strong>de</strong> pranto a essas noites <strong>de</strong> prazer.<br />
– Eu compreendo...<br />
– Oh! pensar nele, exclamou Celina, que se ia exaltando pouco a pouco;<br />
pensar nele!... ter sua imagem <strong>de</strong>ntro do coração, e ao mesmo tempo diante dos<br />
olhos!... estar ele ausente, e eu vê-lo ao meu lado... ouvir a sua voz tão doce! tão<br />
meiga! tão melancólica! sentir o toque <strong>de</strong> sua mão que me causa um abalo indizível;<br />
o roçar <strong>de</strong> sua roupa com a minha em uma curta passagem, que me faz estremecer<br />
vivamente... vê-lo andando garboso e engraçado, ouvi-lo a cantar um hino <strong>de</strong> amor<br />
tão terno... não existir nada disso, e estarmos vendo e ouvindo tudo isso... oh! é<br />
muito! faz com que instintivamente ergamos mãos ao céu, e clamemos: “bendito<br />
seja Deus que nos <strong>de</strong>u a imaginação, para na ausência vermos e ouvirmos assim<br />
aquele a quem tanto amamos!...”<br />
– Tens razão, d. Celina!<br />
– Oh! é sublime! prosseguiu a moça; isso é tão belo, tão encantador, tão<br />
mágico, que eu fico às vezes uma hora inteira, mais <strong>de</strong> uma hora, em contemplação,<br />
enlevada nessas <strong>de</strong>lícias, nessas imagens, entre o céu e a terra, porque esse estar<br />
assim, esse gozo tem por força alguma coisa <strong>de</strong> celeste. E por fim, d. Mariquinhas,<br />
sem querer, sem sentir, no meio <strong>de</strong>sse sonho <strong>de</strong> vigília, sem sofrer dor alguma, não<br />
sei por que mesmo as lágrimas caem em rios <strong>de</strong> meus olhos...<br />
– E choras?<br />
– Pranto bem doce! é bom quando se chora assim!...<br />
– Meu Deus!<br />
– Tu não choras nunca assim, d. Mariquinhas?<br />
– Nunca.<br />
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