OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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vingar-se, trabalhando por pren<strong>de</strong>r maniatado ao seu carro o insolente que se<br />
esquecera <strong>de</strong> vir queimar incenso aos pés da princesa das festas. Essa moça queria<br />
escravos adoradores, e presunçosa aceitava todos esses cultos, conce<strong>de</strong>ndo às vezes<br />
um olhar a este, um sorriso àquele, uma palavra meiga àquele outro, mas não dando<br />
o seu amor a nenhum.<br />
– Foi assim, murmurou a infeliz.<br />
– Todavia apareceu nas socieda<strong>de</strong>s um homem que não se lembrou e correr<br />
aos pés <strong>de</strong> Mariana, não era uma criança, nem um velho; ninguém lhe daria menos<br />
<strong>de</strong> vinte e seis anos nem mais <strong>de</strong> trinta; estava livre, tinha coração; e portanto <strong>de</strong>via<br />
preten<strong>de</strong>r agradar à bela moça; esse homem não curou disso. Melancólico e abatido,<br />
sempre vestido <strong>de</strong> luto, parecia tão ocupado com suas mágoas passadas, que não<br />
tinha tempo <strong>de</strong> admirar a beleza do dia. Esse foi a princípio julgado uma fera bravia<br />
por Mariana, e portanto indigno <strong>de</strong> suas costumadas vinganças; <strong>de</strong>pois, ela mudou<br />
<strong>de</strong> opinião; enten<strong>de</strong>u que era um montanhês mal-educado; <strong>de</strong>pois acreditou-o<br />
insolente e orgulhoso; e <strong>de</strong>pois...<br />
– Provoquei-o!... balbuciou Mariana.<br />
– Provocou-o, repetiu o velho. Leandro (era o nome <strong>de</strong>sse homem) <strong>de</strong>spertou<br />
às provocações da bela moça; viu... viu então, e observou pela vez primeira esse<br />
dilúvio <strong>de</strong> encantos e <strong>de</strong> graças, que a natureza tinha acumulado nessa mulher, e não<br />
pô<strong>de</strong> resistir à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> admirá-la. O amor tinha algum tempo antes aberto no<br />
coração <strong>de</strong> Leandro profundas feridas, que ainda não haviam cicatrizado; e pois, ele<br />
fugiu <strong>de</strong> Mariana como <strong>de</strong> um perigo, <strong>de</strong> uma tentação, <strong>de</strong> um encanto insidioso.<br />
– Ofen<strong>de</strong>u a minha vaida<strong>de</strong>!<br />
– Sim, ofen<strong>de</strong>u a vaida<strong>de</strong> da mulher altiva; e ela jurou ser, a todo o custo,<br />
dona daquele coração. Des<strong>de</strong> o momento em que concebeu um tal propósito,<br />
Mariana esqueceu todos os seus antigos adoradores, e, sem o pensar, queimou<br />
incenso por sua vez aos pés <strong>de</strong> um homem...<br />
– Amei-o!<br />
– Sim; a vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana fé-la amar a Leandro. Todos os meios <strong>de</strong><br />
sedução <strong>de</strong> que ela podia dispor foram postos em campo... o homem não resistiu;<br />
Mariana e Leandro amaram-se.<br />
– Oh! foi assim mesmo!<br />
– À primeira hora <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração do amor, seguiram-se dias <strong>de</strong> embriaguez e<br />
<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> inconcebível, e seguiu-se uma noite <strong>de</strong> paixão <strong>de</strong>lirante... <strong>de</strong> prazer<br />
feroz...<br />
– Oh! basta.<br />
– Teve lugar em um dos arrabal<strong>de</strong>s da corte uma brilhante festa campestre;<br />
havia um sarau no meio das flores... um jardim iluminado... um lago cercado <strong>de</strong><br />
luzes... um bosque <strong>de</strong> arbustos floridos adiante... encanto em toda a parte. Leandro e<br />
Mariana acharam-se presentes à festa: dançaram juntos, e foram juntos passear pelo<br />
jardim. Esqueceram o mundo e os homens... lembravam-se unicamente <strong>de</strong> seu<br />
amor... e primeiro vagaram por entre as flores... <strong>de</strong>pois conversaram espelhando-se<br />
nas águas sossegadas do lago... e <strong>de</strong>pois entraram no bosque...<br />
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