OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
capaz <strong>de</strong> jurar que <strong>de</strong>sta vez tu, abaixando os olhos, d. Celina, quiseste dizer que –<br />
não.<br />
– Começas a gracejar?<br />
– Não, Deus me livre; a tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve acabar como principiou, séria e filosófica.<br />
Olha, d. Celina, há pouco me chamaste – sábia; – agora eu digo que somos duas<br />
filósofas. Quem nos ouvisse teria <strong>de</strong> achar-nos bem mo<strong>de</strong>stas.<br />
– D. Mariquinhas!<br />
– Vamos ao que importa: eu te fiz uma pergunta, e não quiseste respon<strong>de</strong>rme;<br />
hei <strong>de</strong> arrancar-te a resposta à força. Fizeste há poucos dias <strong>de</strong>zesseis anos, d.<br />
Celina; eu sou mais velha três anos...<br />
De repente começou Mariquinhas a rir-se muito.<br />
– De que te estás rindo assim?<br />
– Ora... <strong>de</strong> uma coincidência.<br />
– Qual!...<br />
– Tu hás <strong>de</strong> ser toda tua vida uma pobre inocentinha, e em toda tua vida<br />
precisarás <strong>de</strong> uma mestra bem complacente.<br />
– Começas outra vez?<br />
– Não, é verda<strong>de</strong>. Lembra-te que na noite em que fizeste treze anos, aqui,<br />
neste mesmo quarto, uma boa amiga foi tua mestra, e te explicou com bastante<br />
habilida<strong>de</strong> o que era certo sentimento que ignoravas; o que era amor.<br />
– Oh! que bom tempo! disse Celina suspirando.<br />
– E hoje, neste mesmo quarto, uma outra boa amiga tua te está dando lições<br />
<strong>de</strong> filosofia amorosa.<br />
– Acabaste já?...<br />
– De falar sobre a coincidência, acabei, mas agora vou tratar do que muito nos<br />
importa.<br />
– Pois fala; mas não gracejes.<br />
– Tens <strong>de</strong>zesseis anos, d. Celina, continuou Mariquinhas; és bonita, mesmo<br />
bem bonita, <strong>de</strong>ram-te muitas prendas, <strong>de</strong>ves ser sensível, e por conseqüência não te<br />
achas com vocação para o claustro.<br />
– Por quê?...<br />
– Porque já sabes o que é amar um homem, porque muitos cavalheiros sem<br />
dúvida já se prostraram diante <strong>de</strong> ti, já te juraram um amor imenso... <strong>de</strong>sesperado...<br />
eterno... que há <strong>de</strong> passar além da morte; já te <strong>de</strong>clararam muito positivamente que<br />
tua indiferença é capaz <strong>de</strong> matá-los...<br />
– Oh! basta... que quer dizer isso?<br />
– Quero dar-te um conselho <strong>de</strong> amiga.<br />
– Qual?...<br />
– Que não tenhas medo <strong>de</strong> que esses senhores se <strong>de</strong>ixem morrer por tua causa.<br />
– Ora, d. Mariquinhas...<br />
– Que não acredites neles...<br />
– Certamente que não.<br />
– Escuta: quando um homem se chegar a ti e começar a fazer o elogio <strong>de</strong> tua<br />
148