OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
mão musculosa e forte, dizendo:<br />
– Aquilo não te pertence mais.<br />
Quando Anacleto e Mariana entraram na sala, Celina, trêmula e cheia <strong>de</strong> pejo,<br />
lançou seu lenço branco sobre o papel.<br />
Depois, aproveitando um instante em que todos pareciam estar entretidos, ela,<br />
não tendo bolsos no vestido, escon<strong>de</strong>u o papel no seio.<br />
Cândido viu isso.<br />
Na hora <strong>de</strong> recolher-se, a “Bela Órfã” abriu esse papel e viu algumas folhas<br />
escritas: eram versos, e constavam <strong>de</strong> trinta e duas estrofes, tendo por título o<br />
seguinte: “O Sonho da Virgem”.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XVII<br />
JOÃO E RODRIGUES<br />
CONTRA todos os seus hábitos, o velho Rodrigues, guarda-portão do “Céu<br />
cor-<strong>de</strong>-rosa”, <strong>de</strong>ixou às oito horas da noite o seu eterno posto do alpendre e <strong>de</strong>sceu<br />
por um beco que vai abrir-se no largo da Lapa.<br />
José e Helena, que estavam como sempre <strong>de</strong> espreita à janela, disseram um<br />
para o outro ao mesmo tempo:<br />
– Temos novida<strong>de</strong>.<br />
O ex-escrivão, tomou imediatamente o chapéu, e saindo, apressou os passos<br />
até <strong>de</strong>scobrir o velho Rodrigues, e o foi acompanhando <strong>de</strong> longe, e com todo<br />
cuidado para não ser por ele <strong>de</strong>scoberto.<br />
Helena ficou só, mas sempre vigilante à janela, observando o que pela<br />
vizinhança ocorria.<br />
O velho guarda-portão, sem nunca olhar para trás, atravessou o largo da Lapa,<br />
e tomou pela rua do Passeio Público, <strong>de</strong>ixou ao lado esquerdo a rua das Marrecas,<br />
venceu todo largo da Ajuda, e como quem se dirigia para a <strong>de</strong> S. José, foi indo<br />
sempre no mesmo passo, até que endireitou para a portaria do convento da Ajuda, e<br />
foi sentar-se nos <strong>de</strong>graus superiores.<br />
Jacó coseu-se com a pare<strong>de</strong> do convento, aproximou-se quanto pô<strong>de</strong> do velho,<br />
e finalmente, atirou-se ao chão, procurando ser tomado por algum mendigo.<br />
O guarda-portão <strong>de</strong>scobriu-o a tempo, e reconheceu o ex-escrivão; mas não<br />
<strong>de</strong>u sinal algum <strong>de</strong> o ter feito, e ficou quieto no mesmo lugar, cantarolando por entre<br />
os <strong>de</strong>ntes uma <strong>de</strong> suas prediletas baladas.<br />
Um quarto <strong>de</strong> hora <strong>de</strong>pois o vulto <strong>de</strong> um homem alto veio-se aproximando do<br />
posto que Rodrigues tomara.<br />
O velho chegou-se mais, enfim subiu também os <strong>de</strong>graus da portaria: era um<br />
velho pouco mais ou menos da mesma ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rodrigues.<br />
– A<strong>de</strong>us, João, disse Rodrigues.<br />
– Boa-noite, Rodrigues! disse o recém-chegado tomando lugar e sentando-se<br />
junto do guarda-portão.<br />
93