OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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Ao romper do dia Cândido achava-se adormecido junto da mesa on<strong>de</strong><br />
escrevera.<br />
Despertou <strong>de</strong> repente ao zunido do vento.<br />
Começava a bramir uma tempesta<strong>de</strong>... o céu estava escuro; a chuva prestes a<br />
cair.<br />
Cândido viu então os seus papéis <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente espalhados pelo chão;<br />
alguns rolavam já pela escadinha do velho sótão; correu a apanhá-los e a pô-los em<br />
or<strong>de</strong>m.<br />
Achou todos, achou mesmo toda completa a história do amor da “Bela Órfã”.<br />
Mas não achou o que ele havia escrito na noite que acabava <strong>de</strong> terminar.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XXXI<br />
EU O EXIJO! – SENÃO...<br />
AO TEMPO que o amor <strong>de</strong> Cândido e da “Bela Órfã” vacilava entre dúvidas,<br />
e ia vivendo a vida <strong>de</strong> todos os primeiros amores, ora animando-se com um sorrir <strong>de</strong><br />
esperança, ora estremecendo diante <strong>de</strong> uma quimera, <strong>de</strong> um receio, ou <strong>de</strong> um fraco<br />
contratempo, caminhava o amor <strong>de</strong> Henrique e <strong>de</strong> Mariana ao seu <strong>de</strong>sejado termo.<br />
Poucos dias faltavam para que viesse o himeneu coroar aquela constância com<br />
que se haviam sabido amar os dois.<br />
Aproximava-se a noite do dia em que o jovem do “Purgatório-trigueiro”<br />
<strong>de</strong>spertara ao bramir da tempesta<strong>de</strong>.<br />
Suce<strong>de</strong>ra a uma manhã feia e borrascosa uma tar<strong>de</strong> amena, fresca e bela. O<br />
céu estava claro, a atmosfera leve, a natureza em horas <strong>de</strong> magia.<br />
Mariana achava-se só na sala do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”; Anacleto saíra; Celina<br />
tinha ido <strong>de</strong>spedir-se do dia entre as flores do seu jardim.<br />
Meio <strong>de</strong>itada no sofá, em voluptuoso abandono, com os olhos quase<br />
completamente cerrados, com os lábios levemente dilatados pelo mais gracioso dos<br />
sorrisos, a interessante viúva contemplava em sua imaginação o quadro da ar<strong>de</strong>nte<br />
felicida<strong>de</strong> que a esperava; fruía <strong>de</strong> antemão todos os prazeres, todas as <strong>de</strong>lícias com<br />
que durante tão longos anos <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> sonhara.<br />
Seu mundo estava ali... <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la; <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, em sua imaginação, reunia<br />
em belo grupo todos os entes que amava; conversava com eles, sorria para seu pai,<br />
recostada ao seio <strong>de</strong> Henrique.<br />
Nem uma só nuvenzinha escura naquele imenso céu belo e sereno que estava<br />
criando; era uma <strong>de</strong>ssas horas mágicas, que em vão se procura nos dias que se passa<br />
na terra, horas que se vive meio-dormindo, meio-acordado, quando se está só, e se<br />
está sonhando...<br />
Era uma <strong>de</strong>ssas viagens encantadas, viagens longas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos e <strong>de</strong><br />
milhares <strong>de</strong> léguas, que se faz com os olhos fechados, com o sorriso nos lábios, sem<br />
mudar <strong>de</strong> posição, e às vezes em uma só hora, em cinco minutos, ou mesmo em<br />
rápidos instantes.<br />
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