OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
atrevia a dizer palavra.<br />
– E <strong>de</strong>pois?... perguntou Salustiano.<br />
– Depois as cenas se suce<strong>de</strong>m... <strong>de</strong>verão haver lutas domésticas, esperanças<br />
que morrem e revivem... jogo <strong>de</strong> afetos... e finalmente..<br />
– Finalmente...<br />
– Boa pergunta! por fim <strong>de</strong> contas triunfa o amor inocente e puro... triunfa a<br />
inspiração <strong>de</strong> Deus... o moço pobre alcança a mão da moça bela.<br />
– E o outro?<br />
– O outro!... exclamou Mariquinhas dando uma risada; o outro <strong>de</strong>ve muito<br />
provavelmente ficar com cara <strong>de</strong> tolo.<br />
Salustiano mor<strong>de</strong>u os beiços. Mariquinhas prosseguiu:<br />
– Mas veja... estávamos em uma verda<strong>de</strong>ira dificulda<strong>de</strong>!<br />
– Qual?...<br />
– Não sabíamos como <strong>de</strong>screver o tal sujeito rico, ousado e vaidoso...<br />
– Ora! que modéstia a <strong>de</strong> V. Exa!... com tanta imagina, espírito tão atilado...<br />
– Sim... sim... porém nós queremos seguir à risca a natureza... procurávamos<br />
pois um original, quando V. Sa. chegou.<br />
– O último golpe acabava <strong>de</strong> ser dado tão diretamente que Salustiano corou<br />
até a raiz dos cabelos.<br />
– Compreendo tudo, minhas senhoras!...<br />
– Ora... pois o que compreen<strong>de</strong>u?<br />
Salustiano pensou alguns momentos, e <strong>de</strong>pois respon<strong>de</strong>u:<br />
– Que <strong>de</strong>vo também escrever um romance.<br />
– Ah! disse Mariquinhas, então isto é contagioso?!<br />
– Creio que sim, minha senhora.<br />
– Tanto melhor, tornou a moça rindo-se; creia V. Sa. que faz um relevante<br />
serviço à tão atrasada literatura do país.<br />
– Agra<strong>de</strong>cido.<br />
– Eu estou pensando já no muito que po<strong>de</strong>rá fazer uma pena manejada por<br />
quem <strong>de</strong>ve à natureza tanto espírito como V. Sa.<br />
– Muito agra<strong>de</strong>cido.<br />
– Era uma necessida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito palpitava; o céu <strong>de</strong>via ao Brasil um<br />
Cooper, um Walter Scott, um Dumas.<br />
– Mil vezes agra<strong>de</strong>cido.<br />
– Quando começa a escrever?...<br />
– Ora... já está meta<strong>de</strong> escrito.<br />
– Já!.. e então!...<br />
– É o mesmo <strong>de</strong> V. Exas.<br />
– O mesmo?... não... não... seria um triste roubo feito a duas pobrezinhas.<br />
– Mas o meu romance, que se parece muito com o <strong>de</strong> V. Exas. até o meio,<br />
difere completamente no fim.<br />
– Como?<br />
– No meu romance triunfa o moço rico, o ousado e vaidoso...<br />
159