OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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sacrificássemos minha sobrinha?...<br />
– Eu o pensava, senhora.<br />
– Oh!... tem a vencer primeiro a antipatia <strong>de</strong> Celina, o aborrecimento do velho<br />
Anacleto e o ódio <strong>de</strong> Mariana.<br />
– E porventura não tenho eu alguma coisa a meu favor?...<br />
– Um dia se há <strong>de</strong> quebrar essa arma!...<br />
– Senhora, disse Salustiano endireitando-se na ca<strong>de</strong>ira; tenho-lhe escutado<br />
sossegadamente; justo é que me ouça agora do mesmo modo.<br />
– Mas vai-se fazendo tar<strong>de</strong>, senhor.<br />
– A senhora preten<strong>de</strong>u ter adivinhado meus sentimentos e não conhece ainda<br />
meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>les; quero dar-lhe idéia <strong>de</strong> mais alguns. Sim, o documento que possuo, me<br />
tem colocado na posição <strong>de</strong> senhor e a tem posto na <strong>de</strong> escrava. E eu, eu que sou<br />
rico e feliz, consi<strong>de</strong>ro-a como uma <strong>de</strong> minhas riquezas, como a mais interessante<br />
carta do meu jogo dos prazeres da vida; e abuse ou não, hei <strong>de</strong> divertir-me jogando<br />
com essa carta, <strong>de</strong>la me servindo para ganhar as mais difíceis partidas. Sim!<br />
ostentei-me seu apaixonado e seu preferido, e o mundo em que vivemos acreditou<br />
que eu era amado e feliz.<br />
– Oh! mas isso foi uma calúnia <strong>de</strong>sse mundo, e uma infâmia <strong>de</strong> sua parte!<br />
– Agora que já por muito tempo gozei a felicida<strong>de</strong> do parecer amado por uma<br />
senhora encantadora, quero realmente ganhar a posse <strong>de</strong> uma outra não menos bela.<br />
Amo, e ame ou não, quero que a “Bela Órfã” seja minha esposa. E sabe quem me há<br />
<strong>de</strong> ajudar nesse empenho?... sabe quem, se preciso for, há <strong>de</strong> levar a “Bela Órfã” <strong>de</strong><br />
rastos aos altares, e forçá-la dizer – sim – ao sacerdote?... é a senhora.<br />
– Eu?!<br />
– Sim, porque atualmente eu tenho mais do que o documento <strong>de</strong> um crime;<br />
tenho um sentimento po<strong>de</strong>roso, por cuja existência e triunfo a senhora há <strong>de</strong> fazer<br />
tudo. Tenho um amor, cujos laços hei <strong>de</strong> quebrar, se não for ajudado e feliz em<br />
minhas pretensões.<br />
– Senhor!...<br />
– Esse amor que não morreu com um viajar <strong>de</strong> três anos, que resiste ainda,<br />
que hoje aparece e se mostra tão belo, tão cheio <strong>de</strong> esperanças, hei <strong>de</strong> eu matá-lo,<br />
senhora! ...<br />
Mariana não pô<strong>de</strong> dizer nada.<br />
– Se acaso uma barreira se levantar entre mim e sua sobrinha, eu também<br />
saberei levantar uma barreira que separe Mariana <strong>de</strong> Henrique.<br />
– Senhor!<br />
– Oh! a senhora sabe bem se eu posso, se eu tenho ânimo <strong>de</strong> o fazer... e eu o<br />
farei.<br />
– Sim! sim! eu o sei: o senhor é capaz <strong>de</strong> tudo.<br />
– E portanto a senhora há <strong>de</strong> necessariamente coadjuvar-me no meu<br />
empenho... por interesse próprio, para que eu não mate o seu amor...<br />
– É muito!<br />
– Para que eu não atire um documento terrível aos olhos do seu amante, aos<br />
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