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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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A velha acompanhou a ambos com um olhar curioso, que se podia traduzir<br />

assim: que mulher será essa?... que relação haverá entre ela e Cândido?...<br />

Uma única e fraca luz estava acesa no sótão do “Purgatório-trigueiro”, e logo<br />

que aí entraram os dois, Cândido ia acen<strong>de</strong>r outra vela, mas a <strong>de</strong>sconhecida o<br />

susteve, e disse-lhe:<br />

– Basta a que existe.<br />

O mancebo compreen<strong>de</strong>u que aquela mulher contrafazia a voz. Preten<strong>de</strong>ria ela<br />

não se dar a conhecer?...<br />

– Perdoai, senhora, a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ste quarto, disse Cândido.<br />

A <strong>de</strong>sconhecida, sem respon<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>sculpa que lhe dava o moço, tomou uma<br />

<strong>de</strong> suas mãos entre as <strong>de</strong>la, e apertando-a fortemente, perguntou:<br />

– O senhor é sensível?<br />

– Prezo-me <strong>de</strong> o ser, senhora.<br />

– Oh! sim; eu o sabia; mas há na natureza humana horas <strong>de</strong> inexplicáveis<br />

inconseqüências; horas em que um coração <strong>de</strong> malvado se dobra como a cera; e em<br />

que, também, um coração sempre cheio <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> se mostra duro como a rocha.<br />

– E o que preten<strong>de</strong> significar então com o que acaba <strong>de</strong> dizer?...<br />

– Quero saber que hora é esta para o seu coração; porque eu preciso <strong>de</strong> toda a<br />

carida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma alma cristã...<br />

– Senhora... uma palavra diz tudo: eu chorava quando lhe ouvi bater à porta.<br />

– Chorava?<br />

– Oh! chorava lágrimas <strong>de</strong> amor.<br />

– Senhor, seria uma indiscrição perguntar-lhe por quê?<br />

– Não, não; antes eu quereria dizê-lo a todos; eu chorava por minha mãe.<br />

– Pois... eu pensava... o senhor...<br />

– É certo, exclamou Cândido; é verda<strong>de</strong>! eu sou um mísero enjeitado!<br />

– Mas então...<br />

– Oh! é que, apesar <strong>de</strong> ser enjeitado, houve forçosamente um homem que foi<br />

meu pai, e uma mulher me concebeu! esse homem, senhora, é já morto... disserammo.<br />

Eu sou órfão <strong>de</strong> pai; mas minha mãe!... essa, diz-me o coração que ainda vive...<br />

e eu amo-a com todo este fogo <strong>de</strong> amor que Deus acen<strong>de</strong>u na minha alma! ...<br />

– Sem conhecê-la?.<br />

– Que importa? este amor não se gasta, não se esgota; este amor é como o<br />

fogo do sol, sempre o mesmo, ou cada vez mais ar<strong>de</strong>nte. Quando eu encontrar<br />

minha mãe... oh! que amar esse <strong>de</strong> então!<br />

– É assim... é assim... tem razão, murmurou com voz comovida a senhora <strong>de</strong><br />

mantilha.<br />

– Uma mãe!... disse Cândido ternamente; uma mãe!... um ventre <strong>de</strong> mulher<br />

abençoado por Deus! oh! senhora, a maternida<strong>de</strong> é tão sublime, é tão sagrada, que<br />

foi por ela que Jesus Cristo se pôs em contato com os homens; foi pela maternida<strong>de</strong><br />

que Deus salvou-nos!... amaldiçoado seja aquele que não ama a sua mãe.<br />

– E chora?... perguntou a <strong>de</strong>sconhecida chorando também.<br />

– Oh! sim! eu choro... sempre, e muito.<br />

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