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OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

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ca<strong>de</strong>ira, que única havia no sótão.<br />

Estiveram ambos guardando silêncio por algum tempo; o moço pensativo, e<br />

como sempre melancólico, e a velha com as rugas do semblante menos salientes,<br />

talvez pela expansão <strong>de</strong> algum prazer.<br />

– Não te admiras, perguntou finalmente Irias, <strong>de</strong> me ver, a mim, velha, que<br />

me vou <strong>de</strong>spedindo da vida, e me avizinho da morte, alegre e prazenteira, ao pé <strong>de</strong><br />

ti, moço, que ainda olhas para diante, e tens um futuro para viver, e estás contudo<br />

tão abatido e triste?... esta velhice que sorri junto da mocida<strong>de</strong> que geme, é uma<br />

coisa pouco comum na natureza, não?...<br />

– É assim, respon<strong>de</strong>u Cândido; seja qual for a razão disso, eu dou graças a<br />

Deus pelo prazer <strong>de</strong> minha mãe.<br />

– Mas também é preciso que tu saibas o que hoje não sabes ainda, e o que<br />

todavia se envelheceres, sentirás como eu sinto. A velhice, meu filho, a velhice, que<br />

o mundo chama egoísta, não tem alegrias por si, sabe somente alegrar-se pelos<br />

outros; os pais sorriem com a ventura <strong>de</strong> seus filhos; e aqueles que não têm filhos,<br />

amam sempre, e muito, alguém, e sorriem com a ventura do seu alguém.<br />

– Portanto, alguém que minha mãe estima muito, acaba sem dúvida <strong>de</strong><br />

alcançar uma boa ventura? ...<br />

– Ou pelo menos não está longe <strong>de</strong> alcançá-la.<br />

– Outra vez graças a Deus, minha mãe.<br />

– Pois agora dá graças ainda urna terceira vez, porque já <strong>de</strong>ves ter adivinhado<br />

quem é o meu alguém: quem é esse que eu amo como se fora meu filho, e que está<br />

em vésperas <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> ventura.<br />

Cândido olhou fixamente para a velha e ficou como espantado, esperando que<br />

ela pusesse bem claro o seu pensamento.<br />

– Sim, tornou Irias; é <strong>de</strong> ti mesmo, é <strong>de</strong> ti mesmo que eu falo.<br />

– De mim mesmo, senhora?!<br />

– Sim; <strong>de</strong> ti mesmo.<br />

– Uma gran<strong>de</strong> ventura para mim?...<br />

– Quantas vezes queres que to diga?...<br />

– E não estais zombando?...<br />

– Não, <strong>de</strong> modo nenhum.<br />

– E essa ventura...<br />

– Adivinha-a.<br />

O mancebo, com um sorrir convulsivo nos lábios, com os olhos em lágrimas,<br />

cheio <strong>de</strong> ardor e <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>, com as mãos postas e trementes, e um pouco curvado<br />

para a velha, exclamou:<br />

– Vós <strong>de</strong>scobristes minha mãe!<br />

Sua exclamação foi um grito saído d’alma. Irias respon<strong>de</strong>u meio sentida:<br />

– Não é isso.<br />

Cândido, como fulminado por um raio, abandonou-se dolorosamente na<br />

ca<strong>de</strong>ira, e disse:<br />

– Vós zombastes <strong>de</strong> mim, senhora.<br />

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