OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
porque somente a mim diz respeito, acaba <strong>de</strong> obrigar-me a modificar minhas<br />
disposições. A escritura <strong>de</strong> meu casamento com a senhora sua sobrinha <strong>de</strong>verá<br />
impreterivelmente ser hoje assinada Às cinco horas da tar<strong>de</strong> terei o prazer <strong>de</strong> ir ao<br />
“Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”, levando comigo a escritura <strong>de</strong> que falo, e a carta, que com toda<br />
probabilida<strong>de</strong> espero <strong>de</strong>ixar hoje em suas mãos. Tenho a honra <strong>de</strong> assinar-me, etc.<br />
– Salustiano”.<br />
Mariana ao princípio ficou petrificada, pálida e imóvel como um cadáver;<br />
<strong>de</strong>pois com o rosto contraído, os olhos espantados e o corpo convulso, causaria<br />
pieda<strong>de</strong> ao coração mais duro.<br />
Era a sentença final que a mísera acabava <strong>de</strong> ler... O que lhe restava?... O que<br />
lhe cumpria fazer?...<br />
Mas passada uma hora, a graciosa cabeça daquela encantadora mulher ergueuse<br />
bela e orgulhosa; brilharam seus olhos com ardor imenso, suas faces se animaram<br />
com o rubor da vida, e um sorriso que se não podia bem traduzir, que tinha alguma<br />
coisa do rir terrível do <strong>de</strong>sespero e do rir sossegado <strong>de</strong> um mártir cristão, raiou em<br />
seus lábios grossos e voluptuosos, <strong>de</strong>ixando alvejar seus lindíssimos <strong>de</strong>ntes.<br />
Animava-a a idéia um novo crime: ela se exaltava com um pensamento<br />
sinistro.<br />
– Vencerei... a meu modo!... murmurou ela.<br />
E <strong>de</strong>pois, por entre uma risada nervosa, e como filha da loucura, acrescentou:<br />
– É um tigre!... é um tigre que preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>vorar-me!... livrarei minha alma <strong>de</strong><br />
suas garras.. . <strong>de</strong>ixar-lhe-ei o meu corpo... ah! sim!... o tigre que se farte no meu<br />
cadáver!...<br />
A infanticida meditava no suicídio!...<br />
Porém ela sentiu rumor. Ouviu os passos compassados <strong>de</strong> alguém que vinha<br />
subindo a escada: eram os passos <strong>de</strong> um velho.<br />
Mariana correu a receber seu pai.<br />
– Meu pai!... exclamou.<br />
O velho recuou dois passos, como sobressaltado, <strong>de</strong>pois cruzou as mãos e<br />
disse:<br />
– Graças a Deus!<br />
– Por que, senhor?...<br />
– Porque enfim te vejo alegre, Mariana.<br />
Foi com tão viva expressão <strong>de</strong> prazer que aquele bom velho agra<strong>de</strong>ceu ao céu<br />
a alegria que estava brilhando no rosto <strong>de</strong> sua filha, que ela mesma não pô<strong>de</strong> resistir<br />
à dor que lhe causava a mentira que iludia seu pai.<br />
Os olhos <strong>de</strong> Mariana arrasaram-se <strong>de</strong> água: a mísera começou a soluçar<br />
<strong>de</strong>sabridamente, <strong>de</strong> joelhos, abraçada com as pernas do sensível velho.<br />
– Minha filha! minha querida filha!... que é isto?... bradou então ele; por acaso<br />
enganei-me eu?... és sempre incompreensivelmente <strong>de</strong>sgraçada?...<br />
Mariana chorava ainda mais.<br />
– Filha da minha alma, continuou Anacleto chorando também, fala! Derrama<br />
226