OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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que a resignação.<br />
E com efeito, a filha <strong>de</strong> Anacleto não se quis resignar ao triste papel que lhe<br />
marcavam as conseqüências do seu erro. Primeiro esperou que o homem que a<br />
iludira a salvasse; quando não pô<strong>de</strong> mais esperar nada <strong>de</strong>sse homem, esperou do<br />
tempo... ela mesma não sabia o quê; mas esperava sempre.<br />
Quando porém o tempo correu tanto que tinha já corrido bastante... Mariana<br />
<strong>de</strong>spertou assombrada ante o espectro sinistro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sgraça iminente.<br />
Falou outra vez a morte... falou outra vez a vaida<strong>de</strong>... a resignação ficou<br />
sempre vencida. As paixões triunfaram sempre.<br />
A mísera teve um dia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero, <strong>de</strong> febre... um dos mais fatais <strong>de</strong>mônios<br />
que tentam per<strong>de</strong>r o coração humano, a vaida<strong>de</strong>, soprou um pensamento horroroso...<br />
abominável na alma da <strong>de</strong>sgraçada mulher; esse pensamento era uma infâmia... era<br />
um crime... mas realizou-se.<br />
Foi um infanticídio.<br />
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Mariana era sempre rainha.<br />
O segredo <strong>de</strong> sua honra tinha escapado aos olhos do mundo. Os homens não<br />
podiam julgá-la criminosa...<br />
Mas o olhar <strong>de</strong> Deus estava sobre ela terrível e severo.<br />
Mas a lei eterna da Onipotência se estava cumprindo à risca. A <strong>de</strong>linqüente se<br />
punia a si mesma; a mãe <strong>de</strong>snaturada era o algoz <strong>de</strong> si própria.<br />
Mariana tinha remorsos.<br />
No movimento belo, encantado, estrepitoso <strong>de</strong> um baile, quando tudo era<br />
prazer, perfumes e flores; ao som dos instrumentos, que executavam a música viva<br />
<strong>de</strong> uma valsa; ao som das doces lisonjas que <strong>de</strong>z cavalheiros murmuravam a seus<br />
ouvidos, Mariana via a imagem <strong>de</strong> uma criança recém-nascida, que jazia morta no<br />
meio da sala. Ouvia a natureza exalando um gemido pungente... e ouvia maldições e<br />
pragas, que mil bocas invisíveis estavam proferindo contra ela...<br />
Depois vinha um menino louro, travesso e belo brincar a seu lado... então ela<br />
se lembrava!... e essa lembrança era terrível; era um punhal <strong>de</strong> lâmina envenenada...<br />
era o castigo <strong>de</strong> Deus.<br />
A sua vida foi sempre assim, sempre triste e fria <strong>de</strong>ntro do coração, embora os<br />
lábios sorrissem obe<strong>de</strong>cendo ainda à vaida<strong>de</strong>, que os mandava sorrir. Era uma vida<br />
partida em duas bem distintas uma da outra: uma, a vida exterior, que era a mentira,<br />
que lhe brincava no rosto; outra, a vida interior, que era a verda<strong>de</strong>, que lhe roía o<br />
coração. Resumidas e combinadas ambas essas vidas, davam em resultado a pior <strong>de</strong><br />
todas: a vida <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> si mesma.<br />
Ao menos, porém, estava no meio <strong>de</strong> tudo isso, triunfando, a sua vaida<strong>de</strong>.<br />
Ela era sempre rainha.<br />
Mas uma noite... em uma <strong>de</strong>ssas noites <strong>de</strong> festa, <strong>de</strong> ardor, <strong>de</strong> prazeres<br />
fugitivos, um mancebo se apresentou junto <strong>de</strong>la, <strong>de</strong>u-lhe o braço, e aproveitando um<br />
passeio, pronunciou a seus ouvidos duas palavras somente.<br />
O terrível mancebo sabia tudo!...<br />
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