OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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– Quem nos diz que ela ainda não ama?... disse Leopoldina.<br />
– Ainda não. Mas vamos ao nosso ajuste. Tu subscreves a ele, Celina?...<br />
– Subscrevo, respondi hesitando.<br />
– Vamos jurar! exclamou Leopoldina.<br />
Fizemos um juramento <strong>de</strong> moças. Juramos por nossa amiza<strong>de</strong> e selamos o<br />
nosso pacto com beijos.<br />
Descemos e entramos na sala, on<strong>de</strong> todos notaram que eu estava pensativa e<br />
um pouco melancólica.<br />
Às onze horas da noite retiraram-se nossas visitas. Daí a pouco meu pai<br />
abençoou-me, e eu subi <strong>de</strong> novo para meu quarto.<br />
Deitei-me. Minha mãe entrou, dirigiu-se a meu leito e como costumava fazer<br />
todas as noites, beijou-me e disse:<br />
– Dorme bem, Celina.<br />
Achei-me só.<br />
Começaram então a ferver em minha cabeça aquelas idéias que eu tinha pela<br />
primeira vez concebido. Foi-me impossível dormir durante muito tempo; julguei que<br />
<strong>de</strong>lirava; pensei que ia ficar doida, porque às vezes me parecia ver ao redor <strong>de</strong> mim<br />
meninos louros e travessos, que corriam, saltavam, chegavam-se a meus ouvidos,<br />
diziam baixinho – amar! – e fugiam <strong>de</strong> novo correndo, saltando, e rindo-se muito;<br />
outras vezes era uma mão invisível, que estava escrevendo pelas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> meu<br />
quarto, e com tinta <strong>de</strong> fogo, essa mesma palavra – amar!...<br />
Enfim, adormeci.<br />
Mas o pensamento, que me governava acordada, não me <strong>de</strong>ixou dormindo. A<br />
pesar meu, a idéia única que me ocupava até no sono, era essa mesma que me<br />
tinham feito conceber na palavra – amar.<br />
Sonhei.<br />
Eu estava em um vale coberto <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> grama: <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong> mim erguiam-se<br />
dois montes altos e povoados <strong>de</strong> lindas palmeiras; por entre eles prolongava-se um<br />
lago profundo, mas <strong>de</strong> águas tão límpidas que se lhe via perfeitamente o leito <strong>de</strong><br />
areias <strong>de</strong> ouro.<br />
O lago, que se continuava por entre os montes, vinha terminar-se no vale, e a<br />
poucas braças <strong>de</strong> um outeirinho, on<strong>de</strong> eu estava sentada <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> um<br />
caramanchão natural.<br />
Não era dia nem noite; era a hora do crepúsculo.<br />
De repente soou uma música doce e maviosa, como eu nunca tinha ouvido; e<br />
uma multidão <strong>de</strong> meninos semelhantes aos que eu imaginara acordada, todos eles<br />
lindíssimos, louros, muito claros e rosados, vieram com cestinhas <strong>de</strong> rosas nos<br />
braços dançar ao redor <strong>de</strong> mim.<br />
A música soava sempre... sempre... e parecia que vinha do céu.<br />
No fervor <strong>de</strong> sua dança começaram os meninos a lançar flores sobre mim;<br />
<strong>de</strong>rramou-se na atmosfera um imenso perfume... <strong>de</strong>leitoso... embriagador... e a<br />
música soava sempre tão doce... tão bela, que eu me senti adormecer entre perfumes<br />
e harmonias.<br />
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