18.04.2013 Views

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

– Des<strong>de</strong> então, prosseguiu Irias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento, quando no silêncio <strong>de</strong><br />

seu quarto, ou nas fantasias do seu leito, a imagem <strong>de</strong>ste mancebo se lhe <strong>de</strong>senha no<br />

espírito, não é, a senhora <strong>de</strong>ve-se estar lembrando, não é sob a forma <strong>de</strong> um lindo<br />

jovem, vestido <strong>de</strong> brilhantes e custosas galas... não, a senhora não o quer assim, não<br />

o quer fidalgo nem príncipe, não o quer rico nem <strong>de</strong>slumbrador, a senhora o quer, a<br />

senhora o vê sempre abatido, pálido e melancólico, <strong>de</strong> joelhos junto ao túmulo <strong>de</strong><br />

seus pais.<br />

– É verda<strong>de</strong>!... é verda<strong>de</strong>!... exclamou com lágrimas nos olhos a “Bela Órfã”.<br />

Cândido, enquanto Celina atendia exclusivamente à velha, <strong>de</strong>vorava com<br />

ar<strong>de</strong>ntes vistas as pérolas <strong>de</strong> ternura que se escapando dos olhos da moça, pendiam<br />

<strong>de</strong> suas faces viçosas, como gotas <strong>de</strong> água límpida, caídas em pétalas <strong>de</strong> rosa.<br />

Irias continuou:<br />

– Depois, este mancebo começou a freqüentar o “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”, e a<br />

senhora, muito naturalmente, notou que nas reuniões que aqui têm lugar, os<br />

cavalheiros a cercam, a adulam e incensam, e que somente Cândido, exceção entre<br />

todos, se afastava e se <strong>de</strong>ixava, e <strong>de</strong>ixa ainda esquecer em um canto <strong>de</strong> sala. A<br />

senhora preten<strong>de</strong>u explicar a si mesma uma tal singularida<strong>de</strong>, porque,<br />

primeiramente, a mulher é muito curiosa <strong>de</strong>stas coisas, e <strong>de</strong>pois enfim porque lhe<br />

doía que estivesse sempre longe <strong>de</strong> seu lado aquele que tivera o seu mesmo<br />

pensamento no dia <strong>de</strong> dor, e junto do qual se ajoelhara um momento no meio dos<br />

túmulos.<br />

Ninguém interrompeu a velha; ela, porém, parou um instante para respirar e<br />

<strong>de</strong>pois disse:<br />

– Mas para se explicar a si mesma essa singularida<strong>de</strong>, a senhora <strong>de</strong>via<br />

observar o mancebo, e em algumas das vezes que para ele olhava encontrou seus<br />

olhos que, <strong>de</strong> súbito, se abaixaram; bastou, porém, esse momentâneo encontro <strong>de</strong><br />

vistas para a senhora espantar-se do ardor, do fogo com que Cândido a olhava. Esse<br />

fogo, senhora, incomodou-a a princípio; <strong>de</strong>pois essa chama começou a propagar-se,<br />

e não tar<strong>de</strong> seu coração ardia também; mas por que ardia?... por que começou um<br />

<strong>de</strong>sassossego indizível a perturbá-la? por que em seu jeito pensava nos abrasadores<br />

olhares do mancebo?... por que lhe escapava um suspiro na solidão?... por quê? a<br />

alma virgem da moça o não podia dizer.<br />

Celina nada respon<strong>de</strong>u; estava porém espantada, porque a velha dizia o que<br />

realmente se havia passado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la.<br />

– Mas hoje, prosseguiu Irias, hoje era o dia das revelações dos mistérios do<br />

coração. A manhã <strong>de</strong>ste dia correu como todas as outras; a tar<strong>de</strong> contudo foi muito<br />

diferente para ambos. Senhora, um amigo disse o que na sua alma se passava, e a<br />

senhora o não compreendia. Antes do passeio da tar<strong>de</strong> que acaba <strong>de</strong> passar, a<br />

senhora já sabia que entre a “Bela Órfã” e o mancebo <strong>de</strong>svalido se abria uma flor<br />

perfumada e bela: – era a rosa do amor.<br />

Os dois mancebos ficaram como que petrificados.<br />

– A senhora não tinha tido tempo <strong>de</strong> estudar a sua posição, e ainda que a<br />

houvesse estudado, o mesmo suce<strong>de</strong>ria. A perturbação, o enleio, o pejo a<br />

91

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!