OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
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<strong>de</strong>smedido, era, apesar <strong>de</strong> vasta, pequena para a multidão que a pejava.<br />
O jogo, a dança, a música exerciam ali seu império em salas diversas, e sobre<br />
vassalos diferentes.<br />
Aqueles a quem a ida<strong>de</strong> ou o estado afastava do amor, e enfim os poucos <strong>de</strong><br />
todas as ida<strong>de</strong>s e estados que eram escravos da mais terrível paixão, prestavam<br />
vassalagem ao jogo.<br />
Os outros todos corriam para as salas <strong>de</strong> dança e música: lá estava a mulher.<br />
Haviam sobre cem ainda muitas senhoras.<br />
O estrangeiro curvava-se gostoso sob o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ssas vistas ar<strong>de</strong>ntes jogadas<br />
pelos olhos negros das brasileiras. Ali o árabe lembraria baixinho suas canções aos<br />
olhos das gazelas...<br />
Mas no meio <strong>de</strong>ssas mulheres todas, entre mais <strong>de</strong> cinqüenta virgens belas em<br />
todo fulgor <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>s anos, com todo interesse <strong>de</strong> sua intacta pureza, <strong>de</strong> sua quase<br />
angélica inocência, ainda assim levantava sua cabeça <strong>de</strong> rainha uma senhora já<br />
casada, e que não se podia dizer menina como as outras.<br />
Alta, elegante, extremamente bem feita, <strong>de</strong> cabelos e olhos negros, cor<br />
morena, lábios grossos e belos <strong>de</strong>ntes, ostentava uma beleza especial. Havia em seus<br />
modos uma mistura <strong>de</strong> segurança e nobreza que impunha respeito e admiração; <strong>de</strong><br />
voluptuosida<strong>de</strong> e ardor, que <strong>de</strong>safiava lascivos <strong>de</strong>sejos. Era uma beleza como que<br />
selvagem e perigosa. Essa mulher tinha sobretudo um olhar insolente, uma voz<br />
melodiosa, e um andar provocador.<br />
Trazia ela os cabelos primorosamente penteados e ornados com uma preciosa<br />
borboleta <strong>de</strong> brilhantes; rosetas das mesmas pedras nas orelhas, e o colo cor <strong>de</strong><br />
jambo, nu, para melhor ostentar sua perfeição; seu vestido era <strong>de</strong> seda cor <strong>de</strong> Isabel,<br />
e adivinhavam-se enfim dois pequenos pés presos em sapatinhos <strong>de</strong> cetim. Tinha na<br />
mão direita um ramalhete <strong>de</strong> violetas, e na gola do vestido, mesmo junto da axila,<br />
um cravo rajado, que exprimia um não sei quê <strong>de</strong> provocadora graça.<br />
Não era uma incógnita: a assembléia toda conhecia o seu nome e respeitava-o.<br />
Tão encantadora como honesta, contentavam-se com admirá-la.<br />
Formara-se <strong>de</strong>fronte, mas um pouco longe <strong>de</strong>la, um círculo <strong>de</strong> mancebos que<br />
faziam por mil maneiras o seu elogio, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haverem discutido e concedido a<br />
coroa <strong>de</strong> rainha daquela festa à bela senhora:<br />
– É um homem verda<strong>de</strong>iramente feliz, disse um <strong>de</strong>les, o marido <strong>de</strong> uma tal<br />
mulher.<br />
– Feliz por todas as razões, acrescentou um segundo.<br />
– Como por todas as razões?... perguntou terceiro mancebo.<br />
– Oh! pois será preciso explicar-me?...<br />
– Bem entendido, se for <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>.<br />
– Pois bem: feliz porque possui uma mulher formosa.<br />
– Convenho.<br />
– Dotada <strong>de</strong> bastante espírito.<br />
– Tenho ouvido dizer.<br />
– Que é fiel aos laços que a ligam.<br />
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