OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
– Eras um menino indócil... passaste a ser um moço extravagante e altivo.<br />
Dize pois, mancebo, já te esqueceste <strong>de</strong> que uma nódoa... a <strong>de</strong>sonra te ia manchar, e<br />
<strong>de</strong> que fomos nós os que te arrancamos, te salvamos da infâmia?<br />
– Basta! exclamou Salustiano corando.<br />
– Ninguém nos ouve aqui, tornou o velho; po<strong>de</strong>mos falar sem receio. Para<br />
alimentar teus vícios ousaste furtar uma firma... teu nome foi escrito no rol dos<br />
criminosos... e quem te valeu então?... quem comprou um escrivão sem honra, que<br />
se prestou a queimar o processo?... quem pagou ao homem cuja firma tinhas<br />
imitado?... lembra-te, mancebo, que fomos nós, João e Rodrigues; porque teu pai<br />
queria que o filho indigno sofresse a pena merecida... lembra-te que fomos nós que<br />
suspen<strong>de</strong>mos a maldição que dos lábios <strong>de</strong> um pai austero ia cair sobre o filho<br />
pervertido.<br />
– Senhor! senhor!...<br />
– Sim... conseguimos o teu perdão; e quando a morte veio arrebatar-nos o<br />
nosso amigo, as últimas palavras que te dirigiu, foram essas, que já mas ouviste<br />
hoje: “ouve, meu filho, ouve e obe<strong>de</strong>ce a João e Rodrigues, como se fosse a mim<br />
que obe<strong>de</strong>cesses”.<br />
– É preciso concluir, senhor!<br />
– Morto teu pai, uma nobre missão chamou-me longe <strong>de</strong>sta casa. Meu irmão<br />
porém ficou velando por ti. Mancebo, como pagaste ao amigo <strong>de</strong> teu pai os<br />
extremos que gastou contigo?...<br />
– Respeitei-o, disse Salustiano, respeitei-o até ontem.<br />
– E hoje?<br />
– Hoje o ofendido fui eu.<br />
– E qual a ofensa?... preten<strong>de</strong>r meu irmão arrancar <strong>de</strong> teu po<strong>de</strong>r um papel que<br />
te não pertence?... que direito tens sobre aquela carta?... que uso queres fazer <strong>de</strong>la?...<br />
ah! mancebo, o amigo <strong>de</strong> teu pai vem dizer-te que isso que tens no pensamento, e<br />
que cuidas realizar, mercê <strong>de</strong>ssa carta, é uma infâmia.<br />
– Senhor!<br />
– Mas ainda é tempo <strong>de</strong> voltar atrás; os olhos da amiza<strong>de</strong> dos cem anos ainda<br />
te olham com pieda<strong>de</strong>. Em nome <strong>de</strong> teu pai João te perdoa; em nome <strong>de</strong> teu pai eu te<br />
venho chamar para o caminho da honra. Mancebo, dá-me a carta da filha <strong>de</strong><br />
Anacleto.<br />
– Oh!... eu tinha adivinhado o motivo da sua visita, sr. Rodrigues.<br />
– E então?<br />
– É impossível conseguir <strong>de</strong> mim o que preten<strong>de</strong>. Reconheço os serviços que<br />
lhe <strong>de</strong>vo, respeito os velhos amigos <strong>de</strong> meu pai, mas não posso abandonar assim a<br />
única esperança...<br />
– A esperança <strong>de</strong> quê?<br />
– De alcançar a posse da mulher que adoro.<br />
– Não a alcançarás nunca.<br />
– E essa carta, senhor?!<br />
– Essa carta fará a <strong>de</strong>sgraça <strong>de</strong> uma mulher, e mais nada.<br />
216