OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
HISTÓRIA DO MEU AMOR<br />
I<br />
Eu já fui como uma flor que se <strong>de</strong>sabotoa; sou agora como uma pomba, que<br />
geme solitária.<br />
Quem sabe o que eu virei a ser ainda?... pobre órfã que sou, o meu porvir está<br />
tão escuro!...<br />
Até a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quinze anos eu fui como uma flor que se <strong>de</strong>sabotoa.<br />
Meus pais viviam ainda, e eu passava uma vida tão feliz....! eu era a florzinha<br />
<strong>de</strong> meus pais; o jardim que eu perfumava era o coração <strong>de</strong>les.<br />
Meu pai me chamava o seu anjo; minha mãe dizia que eu era a sua alma; e eu<br />
via bem que eles sentiam isso que diziam.<br />
As palavras <strong>de</strong> meu pai eram tão ternas!... os carinhos <strong>de</strong> minha mãe eram tão<br />
doces!... oh! palavras e carinhos, como esses... oh!... nunca mais.<br />
Eu era tão feliz... <strong>de</strong> manhã erguia-me, dava graças a Deus, meu pai e minha<br />
mãe me beijavam, e <strong>de</strong>pois eu ia brincar.<br />
Como eu fui travessa! às vezes, quando me tornava por <strong>de</strong>mais traquinas, meu<br />
pai se fingia enfadado, e me dizia: ”Celina... aquieta-te... tu estás ficando feia”.<br />
E minha mãe me <strong>de</strong>fendia dizendo: “<strong>de</strong>ixa-a brincar; ainda é feliz!... quem<br />
sabe se há <strong>de</strong> ser sempre como hoje!..”<br />
Oh! minha mãe adivinhava com o coração! o amor dos pais é assim...<br />
profetiza.<br />
E meu pai se tornava melancólico; abraçava-me, beijava-me, e com os olhos<br />
úmidos <strong>de</strong> lágrimas me dizia: – vai brincar.<br />
Oh! sim! bem feliz!... bem feliz!... a minha vida era um laço <strong>de</strong> cem amores.<br />
Eu amava a Deus, amava a meus pais, amava a meus parentes, amava os pobres, e<br />
amava as flores.<br />
II<br />
Amava as flores!.<br />
Como e quando foi que começou esse amor, não sei bem explicar: quando<br />
pensei... já as amava.<br />
No berço brinquei com flores... ensaiei meus primeiros passos para ganhar<br />
uma flor que minha mãe <strong>de</strong> longe me mostrava; quando pu<strong>de</strong> correr, meu pai me<br />
<strong>de</strong>u um jardim.<br />
Des<strong>de</strong> então, quando a aurora aparecia, já me encontrava no jardim; eu<br />
gostava do primeiro raio do sol.<br />
Os primeiros raios do sol e as flores foram as camaradas que brincaram<br />
comigo na infância.<br />
Eu amava as flores; gostava <strong>de</strong> acompanhar a vida <strong>de</strong> um botãozinho <strong>de</strong> rosa,<br />
que se ia <strong>de</strong>sabrochando pouco a pouco, como um pensamento <strong>de</strong> amor na alma <strong>de</strong><br />
164