OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
coisa <strong>de</strong> novo em mim... eu corei; por quê?... não será puerilida<strong>de</strong> corar por isso?...<br />
VIII<br />
Preciso conversar com o meu coração; <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim se estão passando<br />
muitas coisas que ainda não compreendo; é uma série <strong>de</strong> contradições... um <strong>de</strong>sejar<br />
sem querer, o que eu estou experimentando.<br />
Como foi que eu comecei a amar este moço, que se chama Cândido, não é por<br />
certo um mistério. Vi-o <strong>de</strong> joelhos junto do túmulo <strong>de</strong> meus pais, e amei-o por<br />
gratidão; amei-o como se eu fora irmã <strong>de</strong>le.<br />
Disse a todos que o amava assim; riam-se <strong>de</strong> me ouvir, e eu não corava.<br />
Nos primeiros dias, quando ele me olhava, seu olhar passava por sobre meu<br />
coração, tão suave, tão doce, como o sopro do favônio sabre a rosa que acaba <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sabrochar.<br />
Depois... as sensações foram outras. Seu olhar não foi mais para o meu<br />
coração como o favônio para a rosa, é como a aurora para o céu; porque o céu se<br />
avermelha quando o dia amanhece, e meu rosto se enche do rubor do pejo quando<br />
ele me olha.<br />
Por quê?...<br />
Agora, quando ele está ausente, eu me aflijo, <strong>de</strong>sejo ar<strong>de</strong>ntemente vê-lo<br />
chegar; quando ele se anuncia, meu coração palpita; quando ele entra na sala,<br />
minhas faces coram; quando ele se chega a mim, meus olhos se abaixam; quando ele<br />
me cumprimenta, eu não posso respon<strong>de</strong>r-lhe.<br />
Por quê?...<br />
Eu gosto <strong>de</strong> ouvir falar <strong>de</strong>le; mas não pronuncio nunca o seu nome. Sua<br />
imagem aparece nos pensamentos todos <strong>de</strong> minhas vigílias, e nas belas imaginações<br />
<strong>de</strong> meus sonhos; parece que a imagem <strong>de</strong>sse mancebo é dona <strong>de</strong> minha alma.<br />
Por quê?...<br />
Oh! eu o estimo, e estando a seu lado, tremo; acho-o bonito, e tenho receio <strong>de</strong><br />
olhar para ele; gosto <strong>de</strong> ouvi-lo falar, e nunca me animo a conversar com ele.<br />
Por quê?...<br />
Ah! por quê? por que, meu pobre coração? por que é que eu sinto que já não<br />
amo esse mancebo como se fora sua irmã? como é então que o amo agora?...<br />
IX<br />
Oh! que revolução se operou em toda minha vida, em todo meu ser!<br />
Eu já sei que se ama a alguém que não é nosso pai, nem nosso irmão, e que<br />
não é nosso amigo. Eu sei enfim o que é amor. Quem mo ensinou?... foi o coração,<br />
foi a natureza, foi Deus.<br />
O amor é uma flor que existe em botão na alma da virgem; o homem a quem<br />
se tem <strong>de</strong> amar é o sol que faz <strong>de</strong>sabrochar essa flor.<br />
E uma flor que Deus plantou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós, porque, quando a virgem nasce, já<br />
169