OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O moço da cesta florida pareceu adivinhar minha esperança e sorriu com um<br />
sorrir tão meigo!...<br />
Com ar gracioso e leves passos aproximou-se da roseira e colheu o terceiro<br />
botão...<br />
Mas quando o quis levar aos lábios para beijá-lo, o botão se foi abrindo...<br />
abrindo... abrindo... até <strong>de</strong>ixar patente todo o seu seio... Não havia pétalas <strong>de</strong> rosa...<br />
lá estava o meu coração...<br />
O anjo, que tinha o rosto <strong>de</strong> minha mãe, bateu as asas, e baixando o vôo, veio<br />
beijar-me nos lábios... e voou <strong>de</strong>pois para o céu...<br />
E o mancebo correu a mim para beijar-me também; porém eu tive medo,<br />
muito medo <strong>de</strong>sse beijo e soltando um grito... <strong>de</strong>spertei.<br />
Era dia.<br />
Fiquei ainda uma longa hora na cama, pensando no meu sonho...<br />
E <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então eu amo os botões <strong>de</strong> rosa sobre todas as flores; não quero<br />
nenhuma outra flor no meu cabelo. Tenho por eles uma espécie <strong>de</strong> culto. Porque<br />
sempre me parece estar vendo o meu coração encerrado em um botão <strong>de</strong> rosa.<br />
<strong>CAPÍTULO</strong> XI<br />
VELANDO E SONHANDO<br />
AO BAFEJO dos zéfiros, e ao clarão do luar, uma jovem e um mancebo<br />
velavam à mesma hora.<br />
Essa hora era sossegada, muda, misteriosa e bela: era além da meia-noite.<br />
Depois <strong>de</strong> muito tempo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tanto tempo que já a velha Irias se não<br />
lembrava do dia em que pela última vez fechara as janelas do sótão do “Purgatóriotrigueiro”,<br />
abria-se enfim aquela <strong>de</strong>ssas janelas que <strong>de</strong>itava para o fundo, e junto<br />
<strong>de</strong>la sentara-se um mancebo.<br />
No “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa” duas mãozinhas brancas e <strong>de</strong>licadas tinham levantado<br />
uma vidraça; e uma jovem encantadora se recostara a essa janela, que era a <strong>de</strong> seu<br />
quarto, e que se abria para o jardim.<br />
Esses dois jovens, que não podiam ver-se, ficaram aí silenciosos... meditando.<br />
Respiravam ambos uma atmosfera perfumada pelas exalações das flores do<br />
jardim do “Céu cor-<strong>de</strong>-rosa”.<br />
E os pensamentos que <strong>de</strong>ixavam escapar essas duas almas virgens, subiam<br />
talvez ao céu nas asas <strong>de</strong> faceiras auras embalsamadas <strong>de</strong> aromas.<br />
O mancebo, que ali estava meditando, tinha apenas vinte anos, e a moça<br />
contava somente <strong>de</strong>zesseis.<br />
Em que pensavam eles?...<br />
Tão moços, tão novos, com a ligeireza da adolescência, com o frescor e<br />
doçura da primavera da vida, por que estão, e como po<strong>de</strong>m eles dois estar presos a<br />
uma só idéia, pensativos e melancólicos?...<br />
55