OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
OS DOIS AMORES Joaquim Manuel de Macedo CAPÍTULO I O ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
– E para quê? perguntou Cândido curioso.<br />
– É a minha história... é o meu segredo.<br />
– Vós aguçais a minha curiosida<strong>de</strong>, minha mãe!<br />
– Tanto melhor.<br />
– Falai por quem sois!<br />
– Às onze horas da noite.<br />
– E até lá o que faremos?<br />
– Eu, respon<strong>de</strong>u a velha, pensarei no presente que me trouxeram a essa hora.<br />
– E eu?...<br />
– Tu... ora... tu po<strong>de</strong>s muito bem pensar na tua ventura da tar<strong>de</strong> que passou.<br />
– Dizeis bem, senhora!... exclamou o mancebo.<br />
E fechando os olhos, com os lábios dilatados pelo mais gracioso dos<br />
sorrisos... pensou em Celina, até...<br />
Até as onze horas da noite.<br />
Quando os sinos <strong>de</strong>ram o sinal <strong>de</strong>ssa hora, Cândido, como <strong>de</strong>spertando <strong>de</strong> um<br />
sono feliz, exalou um profundo suspiro, e abrindo os olhos, viu Irias sentada diante<br />
<strong>de</strong>le:<br />
– Onze horas! disse o mancebo.<br />
– Sim, é tempo, respon<strong>de</strong>u a velha; eu vou falar...<br />
Irias e Cândido respiraram e arranjaram-se em suas ca<strong>de</strong>iras, como se aquela<br />
tivesse <strong>de</strong> contar, e este <strong>de</strong> ouvir uma <strong>de</strong>ssas longas histórias que se contam nas<br />
noites <strong>de</strong> inverno. E a velha falou:<br />
– Há vinte e um anos...<br />
– Há vinte e um anos?! exclamou o mancebo interrompendo Irias; há vinte e<br />
um anos?! não é essa a minha ida<strong>de</strong>?<br />
– Creio que sim.<br />
– A vossa história tem pois relação...<br />
– Saberás, se me quiseres ouvir.<br />
– Falai, disse Cândido torcendo as mãos com vivos sinais <strong>de</strong> impaciente<br />
curiosida<strong>de</strong>.<br />
A velha continuou:<br />
– Era noite; mas não como esta, que vai indo fresca e bela com seu majestoso<br />
e claro luar. Era uma noite <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>; a chuva caía a cântaros... os relâmpagos<br />
acendiam com intermitência cheia <strong>de</strong> temores um fogo infernal que cegava; os<br />
trovões faziam estremecer os móveis e as casas...<br />
– Má noite!... murmurou pensativo o mancebo; má noite!... que presságio!...<br />
– Que é isso? disse Irias; fazes-te melancólico?<br />
– Não é nada, continuai.<br />
– Eu estava <strong>de</strong> joelhos diante da imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora das Dores...<br />
rezava tremendo pelos navegantes... e por mim. Nossa escrava respondia às minhas<br />
orações... a tempesta<strong>de</strong>... a trovoada continuava cada vez mais horrível, quando às<br />
onze horas...<br />
– Às onze horas...<br />
186